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Da vontade

por Pedro Vaz, em 27.01.15

 

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A vontade é talvez a maior força da humanidade. Não há barreira ou obstáculo que se lhe faça frente.

Foi e é a vontade do povo grego que permitiu a vitória do Syriza e, consequentemente, imporá (espero) a ruptura do mundo do "inevitável".

Percebe-se o burburinho, o incómodo, as ameaças entredentes e a chantagem política sobre o povo grego e o seu recém epossado Governo. Tsipras pôs em marcha uma "revolução" apenas através da vontade e da democracia.

O mundo perfeito de Merkel e dos ideólogos da austeridade está a ser posto em causa, apenas porque a vontade de alguns faz o seu caminho. Espero que essa vontade de alguns se torne rapidamente na vontade de muitos.

Que esta vitória na Grécia sirva de inspiração para os povos da Europa e para uma social-democracia moribunda, órfã de liderança e subserviente ao capital e aos seus interesses. Que os povos da Europa se inspirem e exijam aquilo que é seu por direito - Progresso, prosperidade, direitos para todos, condições de vida.

 Que se termine de vez com este período sombrio, em que os mercados (sejam lá quem forem) ditam as regras, e onde a vida das pessoas seja esquecida. 

É necessária, agora, ainda mais vontade. Em Espanha, Portugal, França, Itália...

Acabar de vez com a cultura da (ir)responsabilidade, que mais não é que governar não para e pelo o povo, mas sim contra ele. Como se as pessoas fossem as responsáveis da vergonha que se tem passado nas últimas décadas pelo mundo sem vergonha das finanças e seus funcionários.

 E, depois da vontade, que venha a coragem. A coragem dos que governam em nome do povo, para que não defraudem o povo e que reponham a confiança na política.

 Obrigado Grécia, mais uma vez, pela criação da democracia e pelo seu regresso.

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publicado às 09:01

Da indignação das restrições de circulação a veículos em Lisboa

por Pedro Vaz, em 18.01.15

Importa esclarecer em primeiro lugar, que as restrições à circulação de veículos automóveis em algumas zonas da cidade de Lisboa, não começou agora.

 

De facto, esta é a terceira fase de implementação. Tendo o processo sido iniciado em 2008, na sequência de uma Directiva Comunitária (Directiva Quadro n.º 2008/50/CE de 21 de Maio) e implementada gradualmente desde 2011.

 

A ideia que se pretende passar da insensibilidade social da CML e, consequentemente, de António Costa, por atacarem aqueles que menos posses têm e não têm condições para adquirirem novas viaturas, é demagogia pura e simples. Senão vejamos:

 

  1. A Zona da Cidade que está restringida à circulação de carros que cumpram a norma de emissão de partículas EURO 3 (fabricados a partir de 2000 ou veículos que tendo sido fabricados antes mas que comprovadamente cumpram a norma EURO 3) é a AV. da Liberdade e a Zona da Baixa Pombalina, podendo circular na Rua das Pretas e na Rua da Conceição viaturas que cumpram a norma EURO 2. Como se vê, uma zona bem pequena da Cidade;
  2. As restrições são das 07h às 21h dos dias úteis. Não se aplicam nos fins-de-semana;
  3. Relembre-se que a maioria do parque automóvel nacional tem em média 11 anos (dados de 2013) o que não trará grandes limitações às Zonas da Cidade onde se aplica a norma EURO 2 (viaturas construídas a partir de 1996 e/ou que cumpram as emissões referidas na norma EURO 2, ainda que construídas anteriormente);
  4. Estão excepcionadas as seguintes viaturas:
    • Veículos de emergência e de pessoas com mobilidade condicionada;
    • Veículos históricos;
    • Veículos afectos à actividade de táxi até 30 de Junho de 2015 (período para adaptação);
    • Veículos pertencentes a residentes nas Zonas de Estacionamento 5, 12 e 13 para a restricção da Norma EURO 3 e residentes na cidade de Lisboa para a restante zona de limitação da cidade;
    • Veículos a GN, GPL e motociclos;
    • veículos da polícia;
    • veículos militares;
    • veículos de transporte de presos;
    • veículos blindados de transportes de valores.

Perante tais dados, custa-me acreditar que haja assim tantas pessoas que serão afectadas.

Penso, ainda, que o trânsito no centro da cidade deve ser muito limitado, especialmente, numa cidade como Lisboa, que com todas as dificuldades que possam existir no sistema de transportes públicos, está a anos/luz de qualquer outra cidade do país e o mesmo é bastante satisfatório.

A qualidade de vida na cidade depende também de haver cada vez menos veículos a circular na cidade.

 

Está na hora de sabermos aquilo que queremos enquanto país.

Se queremos ter mais qualidade de vida e menos poluição teremos que atacar os problemas e não enfiar a cabeça na areia como as avestruzes. Pois o ano ainda mal começou e Lisboa já ultrapassou nove (9) vezes o valor máximo permitido de gases poluentes. Sempre que o nível de emissões é ultrapassado, o país é multado pela União Europeia (está bom de saber quem paga essas multas).

 

Recorde-se que hoje em dia já são fabricados viaturas que cumprem a norma EURO 6.

 

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publicado às 18:17

Esta, sim, teria sido uma excelente mensagem de Ano Novo!

por Pedro Vaz, em 06.01.15

Cavaco Silva deveria ter gasto os 8 minutos e 14 segundos da sua mensagem de ano novo da seguinte forma:

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Teria sido o seu melhor discurso e a sua melhor mensagem de ano novo

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publicado às 18:49

Entusiasmo Renovado

por David Areias, em 28.09.14

Não há lugar para sebastianismo no Partido Socialista. Mas é notório o entusiasmo renovado de muitos militantes e muitos outros portugueses. Eu sou um deles. Saibamos usá-lo para a construção de uma nova maioria governativa, que nos devolva uma perspetiva de futuro e termine com a política de punição e castigo.

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publicado às 22:09

Uma decisão ao contrário

por Pedro Delgado Alves, em 20.06.14

Groucho Marx dizia que a justiça militar estaria para a justiça, como a música militar estava para a música. É uma nota potencialmente injusta quer para a justiça militar, quer para alguma música militar. No entanto, é provocatória o suficiente para ajudar a tentarmos perceber onde enquadrar a justiça interna dos Partidos Políticos – será que também é uma forma de dar música?

 

O debate em que o PS se encontra mergulhado, acabou por enveredar, pelo menos parcialmente, pelo caminho da discussão estatutária, chegando mesmo a proclamar-se que os Estatutos são a Constituição do Partido, e como tal lex suprema, esquecendo, oportunamente ou não, que os Estatutos dos Partidos devem ainda obediência à lei e à Constituição. Sei que estou já a entusiasmar os meus caros leitores com o que aí vem, mas não evito deixar uma tentativa de leitura jurídica alternativa da visão sustentada pela Comissão Nacional de Jurisdição.

 

Perante um requerimento de um quarto dos membros da Comissão Nacional a solicitar uma reunião daquele órgão para convocar um Congresso Extraordinário (nos termos dos Estatutos), a Presidente do Partido solicitou um parecer à Comissão Nacional de Jurisdição, por ter dúvidas quanto a esta possibilidade de realizar um Congresso Extraordinário. A Comissão Nacional de Jurisdição entendeu que um Congresso Extraordinário não pode ser eletivo, nem ser antecedido da eleição direta do Secretário-Geral, uma vez que os mandatos estão em curso e não podem nunca ser interrompidos.

 

Da perspetiva dos subscritores do requerimento, seria inimaginável que um Partido democrático não tivesse mecanismos de decisão democrática que permitissem no decurso do mandato abrir uma discussão em torno da liderança e do rumo do Partido. Nesse sentido, um pedido de convocação de um Congresso extraordinário antecedido de eleições diretas para Secretário-Geral representa o meio normal e tradicional para resolução de situações de divergência política.

 

Aliás, perante críticas apontadas aos novos Estatutos no momento da sua aprovação, sempre foi sublinhado pelo próprio Secretário-Geral e pela direção do Partido que os novos Estatutos não procuravam blindar de forma alguma os órgãos do PS, e que representavam sim um reforço da democracia interna e da capacidade de participação dos militantes. Logo, não passaria pela cabeça de ninguém que tivessem sido limitados os meios habituais de discussão democrática interna. Pretendendo concluir em sentido contrário, a Comissão Nacional de Jurisdição oferece, como veremos, um quadro insuficiente e contraditório de argumentos para o sustentar.

 

Esmiuçando...

Analisado os eixos principais do parecer da Comissão Nacional de Jurisdição, detetam-se diversas leituras parcelares, incompletas e equívocas dos Estatutos, conducentes a uma deliberação inadequadamente fundamentada e contraditória.

 

Esvaziamento da figura estatutária do Congresso Extraordinário

A leitura elaborada pela Comissão Nacional de Jurisdição passa totalmente ao lado de se encontrar prevista nos Estatutos a figura do Congresso Extraordinário, e em particular o facto de o Congresso poder ser pedido potestativamente a requerimento de metade das Federações ou por decisão da Comissão Nacional. Se prevalecesse a leitura da Comissão Nacional de Jurisdição, ficava totalmente esvaziada de utilidade e sentido a figura do Congresso Extraordinário e a possibilidade de uma discussão democrática sobre o futuro do Partido.

 

A decisão é ainda mais grave se tivermos em conta que os mandatos dos órgãos do PS passaram a ter uma duração que pode ir até quatro anos (correspondendo ao ciclo da legislatura), sendo por isso ainda mais importante a possibilidade de mecanismos de fiscalização e de debate político que permitam ao Partido analisar alterações de circunstâncias, questionar as estratégias em curso se estas se revelarem inadequadas, ou responsabilizar democraticamente os seus dirigentes pelas suas ações ou omissões num período tão longo da vida política.

 

Como foi dito, sempre foi sublinhado que os novos Estatutos não procuravam blindar os órgãos do PS e pretendiam sim reforçar a democracia interna. Uma decisão e uma leitura fechada dos Estatutos, como esta, vão em sentido totalmente contrário.

 

 

Determinação, à margem dos Estatutos, da inamovibilidade do Secretário-Geral

Não só em local algum nos Estatutos se consagra a inamovibilidade do Secretário-Geral, como ela não corresponde à tradição do Partido Socialista em momento algum da sua história de 41 anos, como ela não foi em momento algum discutida no processo que levou à aprovação dos novos Estatutos, como deparamos com normas estatuárias que vão precisa e expressamente em sentido contrário.

 

Encontramos normas que permitem ao Partido (seja através da Comissão Nacional, seja através das Comissões Políticas das Federações) convocar um Congresso Extraordinário (n.º 3 do artigo 54.º dos Estatutos em vigor) e que determinam que a eleição do Secretário-Geral se faz em simultâneo com a eleição de delegados (n.º 7 do artigo 53.º dos Estatutos em vigor).

 

Sob pena de tornar inúteis e uma mera previsão sem consequências as normas que ditam a possibilidade de realização de um Congresso Extraordinário (com plenos poderes e com plena capacidade de decidir, democraticamente, o futuro do Partido), não é aceitável a ideia de que o PS ficou desprovido de meios de escrutinar a sua liderança e o seu rumo.

 

Os Partidos têm de ter capacidade de dialogar com a realidade e de, democraticamente, optarem pelo rumo que querem seguir, não podendo ficar irremediavelmente presos a uma definição de estratégias, políticas e lideranças, definidas em contextos que se vão modificando.

Sublinhe-se ainda que sempre se admitiu quer a possibilidade de antecipação da realização de eleições diretas para Secretário-Geral, quer a assunção de poderes eletivos do Secretário-Geral e dos órgãos nacionais pelo Congresso Nacional (artigo 61.º dos anteriores Estatutos). Aliás, previa-se mesmo a necessidade de o Congresso reunir após eleição do Secretário-Geral, caso esta acontecesse antecipadamente (artigo 63.º dos anteriores Estatutos).

 

Inversão da leitura correta do Princípio Democrático

A Comissão Nacional de Jurisdição invoca a Lei dos Partidos Políticos e a Constituição para demonstrar que os Partidos têm de se submeter a regras de organização democráticas. No entanto, parece fazê-lo sem interiorizar o que esses textos exigem em termos de democracia interna: têm de existir meios para fiscalizar democraticamente o poder e debater internamente o futuro da organização política. A democracia não é uma palavra que se repete acriticamente e sem sentido, ela tem antes um conteúdo preciso e sólido, que não dispensa a possibilidade de recorrer a um processo eleitoral para ultrapassagem de controvérsias.

 

Contraditoriamente, ao sublinhar a importância do facto de a lei dos Partidos determinar que “a destituição só pode ocorrer nas condições e nas formas previstas nos Estatutos” a Comissão Nacional de Jurisdição ignora olimpicamente dois factos essenciais:

 

a)      Os Estatutos do PS já têm um mecanismo previsto para a convocação de Congresso Extraordinário, como já vimos, e que é o que os requerentes pretendem ativar;

 

b)      É a própria lei que determina que, para ser fiel ao princípio democrático, os Partidos têm de prever mecanismos de antecipação de atos eleitorais e de redefinição do seu rumo político e da sua liderança. Pretender sustentar que o PS tem uns estatutos em que o seu Secretário-Geral é inamovível é que pode constituir uma flagrante violação do princípio democrático, incompatível com a lei e com a Constituição, nunca a vontade de recorrer a esses precisos meios.

 

Nesta linha, a Comissão Nacional de Jurisdição parece chegar mesmo a sustentar que a realização de um ato eleitoral, nos termos previstos nos Estatutos através da figura do Congresso antecipado… violaria o princípio democrático. Salvo melhor opinião, parece claro que é a impossibilidade de realização de um ato eleitoral previsto nos Estatutos e exigido pela Lei dos Partidos que coloca em crise a Democracia interna, e não o contrário.

 

 

Concluindo...

Em suma, a prevalecer esta leitura dos Estatutos por parte da Comissão Nacional de Jurisdição de que vamos tendo eco, assente numa fundamentação tendenciosa e numa leitura jurídica frágil e contraditória com o teor dos Estatutos, o quadro histórico do PS e a própria Constituição e a lei, o Partido Socialista ficaria numa situação insustentável no quadro da sua democracia interna, confrontado com um Estatutos blindados, com o bloquear da discussão política e com a marginalização da vontade dos militantes.

 

Não é esta a tradição, nem a história do PS, não foi isto que foi apresentado como o objetivo da reforma estatutária em 2012 e não é esta uma solução conforme às exigências que a lei e a Constituição fazem à organização interna dos partidos. Torna-se, pois, impossível concordar com a leitura da CNJ: é contrária à matriz de liberdade e democracia do PS e é juridicamente insustentável. 

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publicado às 01:39

Em terras de Espanha

por Pedro Delgado Alves, em 19.06.14

 

Republicano de sempre, preferia que se hasteasse a tricolor no país vizinho. Não é uma evidência que os Espanhóis o queiram - a monarquia assumiu-se como restauradora da Democracia e colocou-se, por isso, como parte integrante do compromisso constitucional de 1978.

 

Na partida de Juan Carlos, contudo, a dívida que lhe é reconhecida na transição para a Democracia e na estabilização do País depois de décadas de Ditadura permite recordar, a título de legado, a máxima de que mais do que monárquicos, os Espanhóis seriam juancarlistas. Os últimos tempos abalaram esta adesão generalizada e praticamente consensual, mas não chegam para beliscar o reconhecimento do seu papel histórico fundamental no desenho da Espanha moderna e democrática. 

 

Daí que as dúvidas mais pertinentesdo momento sejam as que se prendem com o novo rei, Filipe VI. Alguns sinais simbólicos são interessantes, desde a não utilização do título de "Rei Católico", passando pela recusa de missa de entronização, afirmando alguma laicização da função real, até aos piscares de olhos muito discretos a uma Espanha plurinacional no discurso da proclamação, rematado com um um agradecimento em quatro línguas, castelhano, catalão, basco e galego. Será o suficiente para enraizar a instituição? Há hoje um sentimento republicano crescente que as crises económicas e de credibilidade do sistema político ajudam a alimentar, mas ainda é cedo para qualquer balanço. Para já, Filipe VI goza de um estado de graça que pode gerir em defesa de uma pacificação da instituição monárquica com os cidadãos.  

 

Já agora, e assumindo a fama de nerd, é de assinalar, arregimentanto uma lista de curiosidades históricas, que, ainda que motivada por uma abdicação (provavlmente o caminho do futuro para as monarquias europeias, sendo esta já a terceira num só ano) esta foi a primeira sucessão pacífica por terras de Espanha desde a morte de Carlos III em 1788, revelando que a ideia de estabilidade associada às monarquias não é tão certeira quanto isso. Senão vejamos: 

 

- Em 1808, Carlos IV seria forçado por Napoleão a abdicar no seu filho, Fernando VII, que depois abdicou em Napoleão, que depois cedeu a coroa ao seu irmão mais velho, José - animadíssimo; 

 

- José Bonaparte seria expulso pelos exércitos aliados no final da Guerra Peninsular, em 1813, restaurando-se por essa via Fernando VII;

 

- Isabel II sucederia ao seu pai em 1833, num quadro de guerra civil, contestada pelo partido Carlista que recusava a possibilidade de sucessão feminina admitida por Fernando VII. Mais tarde, Isabel viria a ter de exilar-se em Paris, em 1868, abdicando dois anos depois; 

 

- Amadeu de Sabóia, eleito pelas cortes para suceder a Isabel, pouco mais de dois anos se aguentou, dando lugar à I República espanhola em 1873; 

 

- Restaurada a monarquia no final da primeira experiência republicana, com Afonso XII, e apesar de alguma estabilização, o próprio processo sucessório desencadado pela sua morte precoce trouxe a peculiaridade associada às monarquias e a sucessão dinástica, tendo em conta que o falecimento do rei ocorreu ainda no decurso da gravidez da rainha consorte. Uma vez que o sexo da criança determinaria quem herdaria a coroa, foi necessário um curto interegno de alguns meses, tendo Afonso XIII vindo ao mundo já diretamente como rei de Espanha;

 

- Afonso XIII, por seu turno, caíria em 1931, abrindo caminho à II República, sendo que o final da guerra civil, apesar de o franquismo recuperar a forma monárquica, não trouxe de volta um monarca ao trono de Espanha senão após a morte de Franco, em 1975. 

 

A ver vamos... 

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publicado às 19:56

Parabéns

por Pedro Delgado Alves, em 19.06.14

 

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publicado às 01:44

E sai mais um

por Pedro Delgado Alves, em 18.06.14
O Luxemburgo tornou-se o 17.º Estado soberano a consagrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (para além de inúmeros Estados norte-americanos e mexicanos que já o fazem também). Mais um avanço, mais um passo, mais uma vitória da igualdade. 

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publicado às 19:51

LEITURAS

por David Areias, em 15.06.14

Almeida Faria
A Paixão
(1. Edição de 1965)
Assírio & Alvim, 2013

"Mães de sexta-feira; não Estela, a criada de dentro, desapossada do núcleo do seu povo, proletariado miserável, sem força, pois lha tiram pela dispersão, cada um para seu lado, os filhos vagueando ao sabor de potências distantes, destrutoras, invisíveis, infrenes, de patrões, empresários, serviço militar, o pai entregue a uma luta algures noutra província, por um naco de terra que não dá para ganhar mas que serve para ir sempre arrastando a mesma iniquidade, terra de pouco pão e sem mulher, sem água que lhe limpe o suor pela noite, junto ao calor do fogo, quando a mulher está longe como um astro, uma estrela, Estela, mãe sem família servindo outra família, avançando ao longo dos anos pelos quartos da casa que lhe não pertence e que não ama, serve, Estela, mulher sem casa, não mãe autêntica"

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publicado às 13:47

Chegou a hora!

por Nuno Félix, em 27.05.14

António Costa fez uma leitura correcta dos resultados da noite de ontem. Não terá sido a vitória anémica do Partido Socialista nem o discurso delirante do actual Secretário-Geral que o impeliram para a afirmação da alternativa, António Costa percebeu que numa altura em que a extrema direita avança por toda a Europa, não é tempo para mais esperas e indefinições, o discurso da solidariedade e da tolerância tem que ter lideranças forte e responsáveis. António Costa, que tem feito um excelente trabalho à frente da Câmara Municipal de Lisboa, será um líder da oposição muitíssimo mais forte do que o tem sido António José Seguro, e decorrentemente será um primeiro-ministro incomparavelmente mais competente do que o é Pedro Passos Coelho.

Mas antes de apanharmos as canas do foguetório será chegada a hora do PS se definir enquanto partido, e mostrar do que é ainda feito, ou nem por isso. É esperar para ver. Mas o avanço de António Costa é uma inquestionável boa noticia para o país.

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publicado às 15:15

Enfim Livre

por Nuno Félix, em 23.05.14

As ultimas semanas foram de uma serena angustia, de um desalento desconhecido, de uma desesperança indignada tolhida por uma cidadania solitária que me apagou de entusiasmos, e outras razões, em riscar a cruz em qualquer uma das quadriculas no boletim de voto de domingo.

A minha decisão estava tomada, ia VOTAR EM BRANCO!

Ainda assim, procurei algo, uma resposta certa a uma questão relevante, uma hipótese honesta, que mesmo que modesta, pode-se abrir uma nesga para a construção de uma solução.

Desabafei e desafinei, contestei, repostei, filibustei, simplesmente postei e recomentei comentários de que gostei e desgostei e por fim mudei.

O diagnóstico está feito, os noticiários de hoje abriram com as noticias de ontem. As caras dos nossos problemas são as que conhecemos bem. Um arco do poder cada vez mais flat.

Sou mais uma vitima da governação? Não. Sou um privilegiado, porque não caí no desemprego e posso viver acima do meu limiar de dignidade. Indigno seria até não assumir a responsabilidade que também tive por ter colaborado voluntária e voluntoriosamente na ultima legislatura do PS, e que acabou como todos sabemos.

Deixemos de lado os discursos de palavrosos pantemineiros profissionais,  a política são os resultados e o caminho que se percorreu para os atingir. Os resultados da governação e da oposição são miseráveis. Os esquemas político partidários de conquista e manutenção do poder, a própria retórica e praxis parlamentar feita de tacticismo e cínica cretinice, estão enquistados no seio dos grandes estruturas partidárias.   

Tenho hoje uma visão bem diferente do que são os partidos com assento  parlamentar e de quem são grande parte dos seus protagonistas. Eles são, cada um à sua maneira, parte do problema. É ouvi-los com paciência e atenção, para lá de um quotidiano demagogo e mediano nada subsiste, o aparelho, a estrutura, o corrupto e o controleiro têm sempre mais a perder do que a ganhar. O liberdade não passa por lá, mas pode passar por aqui.

Existe num entanto uma mensagem que é:

-       inclusiva;

-       incisiva;

-       informada;

-       inconformada;

-       aberta;

-       indiscreta

-       futurista

-       realista

Em toda a liberdade, descomprometida de quaisquer compromissos morais e formais anteriores, no domingo existe uma opção que somos livres de escolher. Votar, não votar, riscar muito ou pouco, certo ou errado, dobrar em quatro ou até amarrotar o pedaço de papel. O que fizer que poderá valer tudo ou nada mesmo, para aquele que será o nosso futuro colectivo.

Agradeço a todos os amigos com quem tenho dialogado nos últimos dias pelos  contributos generosos ou até apenas provocatórios para a reflexão interior que efetivamente fiz, para a leitura dos documentos que procurei.

Agradeço os reptos do Rui Tavares para me juntar a uma mudança que urge.

O Livre é um risco de PRD, de BE, de MES, mas quando estes movimentos políticos nasceram ainda havia esperança, o futuro parecia perto e luzia. Hoje o risco é nada fazermos, é não assumirmos o risco de escolher um voto que terá consequências efetivas individuais e colectivas porque sabemos que será consequente com aquilo que se propõe.

Este pais não é para novos altruísmos, o que desejo para ti, é o que mais quero para mim, para a minha família, e essencialmente para os meus filhos. Portugal e a Europa têm que voltar a ser espaços solidários de esperança na paz e na prosperidade.

O VOTO NO LIVRE, é libertador e ao mesmo tempo revelador.

Libertador porque liberta-nos de preconceitos alicerçados na credibilidade institucional das outras opções partidárias que conhecemos de momentos anteriores a esta campanha.

Revelador porque expõe ao ridículo o quão condicionados estamos pelo discurso dominante, das inevitabilidades pró e contra o status quo.

Quem tem medo do ridículo da insignificância não fará este caminho. Mas aqui haverá nova revelação, quem votar Livre apenas quererá reconquistar a sua liberdade e não terá a extensa agenda de vergonhas e egoísmos das grandes máquinas partidárias a amarrarem-lhe o orgulho no seu sonho que cada um de nós fará por materializar o melhor que souber.

Domingo, dia 25, podemos partir de uma folha em branco mas com tanta coisa responsável e exequível já lá escrita, votando numa nova abordagem à política nacional e Europeia.

Hoje não consigo encontra uma única razão para não desejar que Rui Tavares continue no Parlamento Europeu e que um novo espaço de diálogo cresça à esquerda, e fortaleça uma esquerda democrática e responsável.

Por todas as razões que tive oportunidade de contrastar vou votar Livre. E para aqueles que, por ventura por razões semelhantes às minhas, se preparavam para votar branco, ou nulo, ou sequer para nem comparecer a esta votação, apenas vos peço que visitem o site do Livre, que  e reflitam individual e/ou colectivamente como eu o fiz e que por fim decidam votar a favor de ideias positivas, com futuro, abertas ao contributo de todos nós, portugueses solidários e comprometidos consigo e com o outro.

Forte abraço, e de novo obrigado, que mais não seja por honrares com a tua leitura as experiencias e ideias que aqui partilhei.

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publicado às 23:28

40 anos depois o 25 de Abril de 1974 falhou.

por Nuno Félix, em 15.04.14

Segundo dados do INE existem mais de 1,9 milhões portugueses em risco de pobreza e a crise arrastou mais 35 mil crianças para uma situação de carência alimentar.

Só no ano passado cerca de 120 mil crianças teriam passado fome se não tivessem o apoio do Banco Alimentar, um aumento de mais de 35 mil crianças face ao registado antes da crise, em 2008. O número foi cedido ao DN pela presidente da instituição, Isabel Jonet, que garante que um terço das 355 749 pessoas que receberam alimentos do Banco Alimentar contra a Fome em 2013 são crianças.

 

A descolonização portuguesa, eufemismo para abandono, originou guerras civis e fome em todas as ex-colónias que, com excepção de Cabo Verde, 40 anos depois, continuam a pertencer ao clube do 3ª Mundo, governadas por elites corruptas e violentas travestidas de democracias e sustentadas internacionalmente com a cooperação activa de Lisboa.

Economicamente, em termos relativos, Portugal continua na cauda Europa. O individamento externo em termos absolutos é extremo. O crescimento continua anémico. O desemprego, esse sim, duplicou, triplicou, quadriplicou… A emigração forçada voltou.

As famílias para as quais sempre esteve tudo bem, são as mesmíssimas do "antigamente", as outras estão sob um rolo compressor fiscal e o Estado Social a caminha silenciosamente para a iniquidade. A comunicação social tem dono(s) e não arrisca a sobrevivencia com vâs denuncias dos abusos de quem pode abusar sem ser verdadeiramente incomodada pela 2ª justiça mais lenta da UE.

Internacionalmente evoluímos de derradeiro império colonial europeu orgulhosamente só, para PIIG bom aluno sob protectorado. Sequestrados pelos nossos credores que nos administram via politicos coolaboracionisas com forças que antagonizam com o interesse nacional.

Politicamente, o regime está falido. A democracia representativa não representa mais do que instituições fechadas à sociedade, que investem a maior parte dos seus recursos na mera manutenção e perpectuação no poder e na prosperidade dos seus protagonistas. O bem comum pode sempre esperar.

Perdoem-me se não celebro o facto de não ser preso amanhã por publicar e assinar este texto. A liberdade de expressão é pifia consolação para tudo o que “inconseguimos”.

40 anos depois o 25 de Abril falhou, senão para todos, pelo menos para 120 mil crianças, e pela fome de 120 mil crianças quem vendeu a alma?

 

 

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publicado às 04:07

Sempre livre, fará muita falta

por Pedro Delgado Alves, em 18.03.14

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publicado às 22:42

LEITURAS

por David Areias, em 15.03.14

Almeida Faria
Rumor Branco
(1. Edição de 1962)
Assírio & Alvim, 2012

"bairro de barracas de lata sobre o rio que corre ali perto, Tejo. em baixo hortas e sebes. dormiam os cinco filhos com os pais numa das divisões, havendo outra com serventia de cozinha, onde comiam, à noite o pai chegou cambaleante. a mãe, vestindo trapos que não lhe aqueciam as ressequidas carnes, aguardava ao canto da chaminé cosendo meias velhas. ao ouvir os passos do marido abrindo bêbado como sempre a pequena cancela do quintal, levantou-se e foi esperá-lo. só a força da fome lhe dá ainda forma de assim se endireitar, tão agressiva, tão firmes na cintura as mãos pacíficas: badameco, desgraçado, farrapo miserável, cara de carago, mal te aguentas no badalo, fizeste-me seis filhos e agora que me amole.

(...)

viram como se pode e deve escrever uma história portuguesa com certeza, com certeza uma história portuguesa? e houve talvez quem chorasse ao lê-la, sobretudo as senhoras burguesas que, como se sabe, têm bons sentimentos."

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publicado às 17:01

LEITURAS

por David Areias, em 13.02.14
[no centenário do nascimento de Cortázar]


Julio Cortázar
Clases de Literatura, Berkeley, 1980
Alfaguara (Colombia), 2013

"Viví em Buenos Aires, desde lejos por supuesto, el transcurso de la guerra civil en que el pueblo de España luchó y se defendió contra el avance del franquismo que finalmente habría de aplastarlo. Viví la segunda guerra mundial, entre el año 39 y el año 45, también en Buenos Aires. Cómo vivimos mis amigos y yo esas guerras? En el primer caso éramos profundos partidarios de la República española, profundamente antifranquistas; en el segundo, estábamos plenamente con los aliados y absolutamente en contra del nazismo. Pero en que se traducían esas tomas de posición: en la lectura de los periódicos, en estar muy bien informados sobre lo que sucedía en los frentes de batalla; se convertían en charlas de café en las que defendíamos nuestros puntos de vista contra eventuales antagonistas, eventuales adversarios. A ese pequeño grupo del que formaba parte pero que a su vez era parte de muchos outros grupos, nunca se nos ocurrió que la guerra de España nos concernía directamente como argentinos y como individuos; nunca se nos ocurrió que la segunda guerra mundial nos concernía también aunque la Argentina fuera un país neutral. Nunca nos dimos cuenta de que la misión de un escritor que además és un hombre tenía que ir mucho más allá que el mero comentario o la mera simpatía por uno de los grupos combatientes. Esto, que supone un autocrítica muy cruel que soy capaz de hacerme a mí y a todos los de mi clase, determinó en gran medida la primeira producción literária de esa época: vivíamos en un mundo en el que la aparición de una novela o un libro de cuentos significativo de un autor europeo o argentino tenía una importancia capital para nosostros, un mundo en el que había que dar todo lo que se tuviera, todos los recursos y todos los conocimientos para tratar de alcanzar un nível literario lo más alto posible. Era un planteo estético, una solución estética; la actividad literaria valía para nosotros por la literatura misma, por sus productos y de ninguna manera como uno de los muchos elementos que constituyen el contorno, como hubiera diacho Ortega y Gasset 'la circunstancia', en que se mueve un ser humano, sea o no escritor."

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publicado às 23:25

Tribunal do Investimento, Tribunal do Consentimento, Tribunal da Capitulação.

por Nuno Félix, em 10.02.14

O Estado vende empresas públicas com interesse estratégico para o país que garantem serviços essenciais aos cidadãos.

São empresas com um futuro promissor e que operam em áreas de actividade com garantia de procura estável (tantas vezes em posição monopolista).

O Estado vende-as a preço de retalho e não vê a quem. Parece não interessar que a nossa energia e a nossa banca seguradora passem para as mãos de outro Estado soberano que antagoniza com o nosso modelo de Estado de Direito, ou que até, em grande medida, o ameaça.

Para que este capital venha a correr e a saltar, criam-se pacotes fiscais a la carte, permitindo transferências de capital com total isenção de impostos, dá-se garantia política a multimilionários do Comité Central do Partido Comunista da República Popular da China cuja única contribuição para a economia portuguesa será a TSU (enquanto não substituírem os trabalhadores por computadores e robôs made in PRC) e um IRC recentemente trabalhado para contribuir com um valor baixíssimo para o todo da receita fiscal, graças a uma engenharia jurídica que beneficia as empresas que efectivamente podem pagar este imposto. Mas para o Presidente da Three Gorges, recentemente recebido discretamente pelo Presidente da República em Belém, tal não é suficiente.

 

É sabido, temos a segunda justiça mais lenta da Europa (só superada pela italiana), e os nossos legisladores sofrem de uma incontinência abundante quanto à legislação fiscal diz respeito. Por tudo isto a Justiça, ou falta dela, é uma das principais razões para se investir noutro país qualquer. No contexto económico português, a Justiça é “má moeda”. O que fazer?

Para apreciar os conflitos emergentes das relações contratuais onde está envolvido investimento estrangeiro aparece agora a inaudita ideia de criar um tribunal com uma competência especializada, um tribunal do investimento.

Ora convenhamos, para uma maior atractividade ao investimento, do que necessitamos é de simplificação, equidade, estabilidade e celeridade, não devemos provocar novos factores que distorçam a igualdade de acesso e tratamento pela justiça!

 

É discurso recorrente da governação e da oposição que urge uma reforma profunda do sistema judicial. Então porquê complexificar a estrutura do mapa judicial com a criação de tribunais especiais? Precisa o grande capital estrangeiro - que não tem face, não conhece pátria, e que vai com a mesma facilidade com que veio - de uma discriminação positiva por parte da justiça portuguesa? De uma discriminação positiva relativamente às descapitalizadas (financeira e humanamente) PME`s nacionais? Precisam as grandes e ricas multinacionais estrangeiras de uma justiça mais célere e simplificada do que aquela a que tem acesso as nossas PME`s? E lembradas as nossas PME`s, será necessário relembrar, principalmente à esquerda, que o grande contributo para o emprego nacional vem das PME nacionais e que por isso memso não devemos induzir fatores que distorçam a concorrência, nomeadamente no equitativo acesso à justiça e na igualdade de critérios de julgamento?

 

Vendo melhor esta ideia até que nem é nova, e faz lembrar os tribunais exclusivos para os cidadãos britânicos nos tempos em que estávamos sob protectorado, sem nobreza (a banhos no Brasil), sem exército, sem Vinho do Porto, sem lã, sem mármore, sem cobre, sem salgema ou quaisquer outras riquezas que produzíssemos e que os nossos aliados diligentemente expatriavam a troco de meia dúzia de Winchesters.

 

Claro que logo se ressalva que a futura instituição também deveria dedicar-se a julgar processos com empresas portuguesas, dependendo das verbas envolvidas (se for muita pasta), algo que seria definido consoante o contexto económico (PIB e deficit orçamental), por exemplo anualmente.

Mas estaremos todos a ver mal ou aqui fica a sugestão de que as próprias regras de acesso a este tratamento especial por parte da justiça devem estar sujeitas ao jeito que esta justiça especial pode dar às contas do Estado, e dos maiores inverstidores potenciais, conforme as contas da execução orçamental ou o fecho do índice PSI 20?

 

A capitulação da política face à economia é já hoje uma banalidade,  novidade é a disponibilidade da esquerda para a institucionalizar, pela submissão do próprio aparelho judiciário ao interesse económico mais imediato.

 

Não existe um caminho ínvio para se ser recto com os princípios e valores que se diz defender, e em particular não existe uma terceira via para se ter uma justiça igual para todos.

 

 

 

 

 

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publicado às 18:09

É mais fácil um Camilo passar pelo buraco de uma agulha, do que a TVI entrar no Reino dos Céus.

por Nuno Félix, em 10.02.14

“- Cristina, o Secretário de Estado disse-me que se tu tiveres um filho com uma deficiência de 60%, para além dos setecentos e tal euros que podes deduzir em despesas de saúde por esse dependente, podes também deduzir, sem qualquer limite, todas as despesas que faças com fisioterapia, próteses, outros tratamentos...”

“- Mas Camilo os abonos foram retirados...”

“- Sim Cristina, é para estes casos que as pessoas que andam sempre a vomitar Estado Social deviam olhar! Mas em todo o caso, devo acalmar as pessoas lá em casa, e que têm dependentes nesta situação, que todas as despesas que fizerem com estes podem ser deduzidas em sede de IRS até um limite de 30%.”

“- Mas Camilo, primeiro têm que ter o dinheiro?”

“- Sim Cristina, esse é um problema de liquidez das famílias, mas isso levava-nos a outra conversa...”

“- Obrigado Camilo por mais uma vez nos teres ajudado a explicar às pessoas lá em casa estas questões mais complicadas. E agora seguimos para o nosso telefonema surpresa, e esta manhã estão em jogo 10.000 euros!!!”

 

Canal Parlamento para quê?

Para o inconseguimento?!

Camilo nas manhãs da TVI é que é!

Portugal segue depois deste intervalo para compromissos publicitários.

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publicado às 12:32

A CULPA

por David Areias, em 07.02.14
Portugal não consegue gerar qualquer alternativa política de futuro, nem conseguirá tão facilmente. Não se trata de mudanças nas lideranças do PS ou do PSD, embora isso pudesse ser um bom começo. Trata-se de uma mudança nas nossas expectativas e exigências colectivas que seja reflectida na forma como encaramos o nosso futuro.

Hoje, todo o pensamento individual parece girar em torno de um único problema: o da culpa. E como a culpa nunca é minha, é dos outros.

A culpa é dos que não trabalham, porque eu trabalho: os funcionários públicos, os professores, os políticos, os da RTP, os do Metro, os da Carris, os estivadores.

A culpa é dos que vivem à custa do Estado, porque eu tenho o meu salário: os do rendimento mínimo, os do desemprego, os das novas oportunidades, os presos, os dos subsídios, os militares.

A culpa é dos que não pagam impostos, porque eu nem fugir posso: os empresários, os biscateiros, os médicos, os advogados, os arquitectos, os engenheiros.

A culpa é dos que ganham muito, porque eu ganho pouco.

A culpa é dos estádios, das auto-estradas no interior, das universidades que formam desempregados, das escolas que não exigem dos alunos, dos que têm cunhas e favores, dos que se reformaram cedo.


O discurso político governativo conhece, promove e aproveita está lógica. Sempre assim o fez ao longo da história. Afinal, é de elementar justiça punir os culpados.

Falamos uns contra os outros, mas nunca uns pelos outros. E por isso temos medo de sermos também nós culpados. Medo de sermos os próximos a ser punidos.

Quem ousa hoje levantar a voz pela criança que chega à escola sem comer, pelo jovem que perde a bolsa e não pode continuar a estudar, pelo casal que fica desempregado, pelo reformado ou seja por quem for? Quem ousa hoje sonhar um país melhor e para todos?

A educação, o trabalho, a saúde, a justiça e a dignidade não são regalias, são direitos. Parecemos aspirar a que os outros tenham menos e não a que todos tenhamos mais.

Somos incapazes de qualquer acto ou pensamento solidário entre nós. Somos incapazes de pensar colectivamente. Somos presa fácil de nós mesmos.

Que triste é reconhecer que nesta inquisição de austeridade nos tornámos num país de delatores de judeus, em que só o querer viver dignamente já é heresia.

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publicado às 20:05

Aprecio Miró. (ponto)

por Nuno Félix, em 07.02.14

Não é relevante para a República se o seu Presidente tem esta ou aquela inclinação estética, e em particular de aprecia, ou não, Miró "como pintor". Diz o povo português na sua secular cultura de tolerância que "gostos não se discutem", muito embora a falta de gosto de alguns seja indiscutível. Mas não deixa de ser curioso que Cavaco Silva tenha tido o cuidado de enunciar a qualidade particular em que o aprecia o catalão. Podia ter dito simplesmente "aprecio Miró", mas o cuidadosa formulção na resposta "-Aprecio Miró como pintor" vinda da boca de quem vem, não é despicienda.
E, chegados aqui, é legitimo levantar uma questão bem mais relevante, embora especulativa de certo, até porque permanecerá sem resposta, pelo punho ou boca do próprio.

A questão que releva é a seguinte:
Cavaco Silva apreciará Miró de igual modo como catalão repúblicano e resistente anti-franquista?

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publicado às 15:34

Adeus tristeza até depois...

por Nuno Félix, em 07.02.14

"Regressei há dias do Brasil, para onde agora vou viver e trabalhar. Uma coisa não vai sem a outra, e a vida aqui no meu País, ao fim de 50 anos de profissão tornou-se impossível, sem trabalho. Mas vou sem amargura, sem tristeza; a vida ensina que enquanto houver caminho...Ou então, talvez melhor, como diz o Poeta: "Caminhante não há caminho, faz-se o caminho ao andar." Quero partilhar com todos vocês o entusiasmo e alegria que sinto nestes dias antes da partida, dos apoios que tenho recebido de cá e de lá, e dizer-vos também que nada na vida é definitivo, a menos que falemos da morte. Faço música quase todos os dias, escrevo, reformulo, penso e repenso no meu trabalho e numa obra que só me honra, por saber de todos aqueles que foram indispensáveis para que eu conseguisse essa coisa maravilhosa que é chegar aos 65 anos e estar cheio de força e confiança para continuar. Sou o primeiro a entender que meio século de actividade e exposição pública são coisas que saturam o público, e é sem qualquer azedume que aceito que há outras pessoas e imagens que o mesmo público agora deseja. Nunca poderei agradecer o amor incondicional que ao longo de meio século milhares de pessoas me deram, nada pedindo em troca que não fosse mais uma cantiga, a única coisa que aprendi a fazer decentemente toda a minha vida.
Estaremos sempre por aqui, em contacto, e eu com esperança de conseguir divulgar um pouco mais e melhor uma Cultura que inventámos e que nunca promovemos: a Canção feita em Portugal.
Muitos brasileiros me desejaram pessoalmente as boas vindas, mal sabendo eles que vocês vão todos comigo. Fernando Tordo"

 

E assim quem não se aposenta, se ausenta. Mas com 65 anos de idade!? Teimoso o bardo que teima em não seguir os exemplos que excretam de cima... Pode a nação ganhar a guerra quando o chefe vai para o campo de batalha calçado nas pantufas do pensionista, e o trovador vai moralizar às tropas do outro lado do oceano?!

Pode o confidente do poeta não seguir num crescente confronto com a sua memória, ao perceber que já não dá baile aos PIDE´s que julgaram "A tourada" como uma ode à mais reaccionária das tradições, e que com a complacencia de outrora compagnons de route, a batuta do maestro retornou às mãos dos fiéis herdeiros dos algozes da liberdade?!

São velhos os novos horizontes que cantam, glorificados na forma de sorteio fiscal de carros de luxo para quem não tem dinheiro para pagar a casa ao banco. E que podemos dizer nós ao velho libertário que recusa coadoptar a ladainha do desfiar das contas deste rosário?

Talvez qualquer coisa parecida com:

- Vai Fernando, e faz feliz por lá os portugueses que te precederam. Esta laranja amarga e doce teu poema espremida até à última gota de talento, pátria que pariu a pátria de Gabriel O Pensador, jamais reinventará episódio tão expectacular como o Brasil. Único lugar no mundo lusófono onda o lema "Ordem e Progresso" não obriga a uma rima com billete de ida sem data de regresso. O Brasil, finalmente, parece estar a cumprir o seu ideal. Francisco Buarque de Holanda em 1974 pensou o mesmo de Portugal. Pensou mal.

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publicado às 10:29

Miró não é cocó, totó!

por Nuno Félix, em 05.02.14

Criou o CPAI (Clube Português de Artes e Ideias) e depois passagou pela vereação do agora preso Isaltino de Morais... o roteiro de um deserdado da sorte em busca do seu lugar ao Sol, melhor ainda se à sombra de alguém mais luminoso do que o sombrio reflexo da sua própria imagem. Compreende-se que, para quem queria ser reconhecido pela cultura, não seja facil ser confundido com um vendedor de auto-rádios da Praça de Espanha. Mas à rectidão de um caminho difícil preferiu o redondo dos óculos de massa com as lentes fundo de garrafa que lhe emprestam aquele ar de totó social-democrata bem à moda de Braga de Macedo. Terá feito as contas à (in)cultura laranja e ao que esta dá aos poucos cultos que a servem? Lá chegaremos.

Primeiro bateu à porta do PS de Guterres, naquele discurso mole e coração amanteigado, a sua férrea persistência vingaria ao primeiro golpe, mas a paixão de Tonecas era outra, e como todos sabemos, na fila para esse peditório o PS já tinha verdadeiros intelectuais (e artistas…) que chegue. O seu coração socialista, assim bateu entre 97 e 2000, foi traído e logo se liberalizou. Bateu à porta dos vários PSD´s, onde qualquer pseudo qualquer coisa era imediatamente bem vindo.

Em 2001, ainda não tinham metido o Pacheco Pereira no bolso, o Santana Lopes já tinha a sua Marina Mota, e ele escolheu ser (ou foi escolhido para...) consigliere cultural na família oeirense do  D.Isaltino. Mas às primeiras ameaças de que o Estado de Direito também vigorava pela Linha logo B(f)úgio. Tem méritos e qualidades pessoais, caso contrário jamais sería Secretário de Estado da Cultura (vide Miguel Relvas...), mesmo que o seja sob coordenação do mais inculto dos Primeiro-Ministros. É determinado, inteligente, perspicaz, pragmático e servil, qualidades inatas para um Secretário de Estado sem programa de governo ou orçamento para o aplicar. Talvez por isto mesmo não hesite em vender anéis com os dedos se necessário for. Para não voltar para Goa, mesmo que na mala diplomática, vale tudo, afinal de contas a maior parte da colecção Miró não vale uma chamuça.

Agora "back to basics", aquele tipo sagaz que viu a oportunidade, criou a sua própria organização (CPAI) onde era presidente, tesoureiro, secretária e faxineira, para ter um palco só para si, não é ele mesmo a personificação do "empreendedorismo social" do "bater punho" à Relvas?! Recorrer à manobra e à mais estranha das alianças para pertencer onde não tinha lugar (CNJ-Conselho Nacional de Juventude) por troca com a "facilitação" do voto não é da práctica parlamentar mais moderna e ainda recentemente "referandada" pelas bancadas que suportam a maioria?! Vivêssemos nós ainda no 24 de Abril e o jovem empreendedor cultural seria perfeito estandarte da imperial Mocidade Portuguesa, tivesse retornado para um Portugal comunista e ostentaria com orgulho o crachá de "pioneiro" exemplar.

A ambição acrítica, mata o espírito e transforma paulatinamente o jovem empreendedor num ente acrítico como se quer que ele o seja. Hoje na sua aquiescência cega é o antídoto perfeito para a virulência da inovação, para rebeldia da criatividade, para a cultura da memória…  

Festejará em breve o dia da libertação da troika e da alienação do património cultural e quando a festa acabar irá trabalhar para quem melhor lhe pagar. Como ex-Secretário de Estado da Cultura dificilmente será convidado para presidir à Lusoponte ou ao Banif, mas como leiloeiro da Christie's não conhecerá as dificuldades que ajudou a infligir ao comum dos portugueses.

Os nossos filhos ouvirão um dia no recreio da escola:

"- Olha ali um Miró, totó!" 

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publicado às 12:07

Greve à diáspora*

por Nuno Félix, em 29.01.14

Ouvido na TSF

- "Em que medida é que esta greve [dos controladores aéreos] a prejudica?" 

- "A greve não me causa transtorno, causa-me transtorno ter de emigrar", respondeu a jovem. "Vou aproveitar as duas horas de atraso para estar com a família".

 

*O termo diáspora define o deslocamento, normalmente forçado ou incentivado, de grandes massas populacionais originárias de uma zona determinada para várias áreas de acolhimento distintas. O termo "diáspora" é usado com muita freqüência para fazer referência à dispersão do povo judeu no mundo antigo, a partir do exílio na Babilônia no século VI a.C. e, especialmente, depois da destruição de Jerusalém em 135 d.C.

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publicado às 19:11

30 anos a fazer falta

por Pedro Delgado Alves, em 18.01.14
Num tempo em que não faltam as palavras a quem quer fechar à força as portas que Abril abriu, faz mesmo muita falta quem sempre conseguiu afugentar as hienas com a força das palavras. 

Não me digam mais nada senão morro
aqui neste lugar dentro de mim
a terra de onde venho é onde moro
o lugar de que sou é estar aqui.

Não me digam mais nada senão falo
e eu não posso dizer eu estou de pé.
De pé como um poeta ou um cavalo
de pé como quem deve estar quem é.

Aqui ninguém me diz quando me vendo
a não ser os que eu amo os que eu entendo
os que podem ser tanto como eu.

Aqui ninguém me põe a pata em cima
porque é de baixo que me vem acima
a força do lugar que for o meu.

 

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publicado às 22:44

A mentira tem perna curta

por Pedro Vaz, em 17.01.14

Voltarei a este assunto mais aprofundadamente em breve, pois a controvérsia é mais que muita (sucessivas alterações a prazos, regulamentos, etc.).

Para já é importante focarmo-nos nos números que, por muito manipulados, enviesados na divulgação e outros tuques estatísticos, são como o algodão - não enganam.

Assim, e usando 2 pequenos gráficos elaborados pelo jornal Público, pode-se constatar facilmente a amputação à ciência e à formação avançada.

Deixo também um link com a notícia em que o Primeiro-Ministro nega a diminuição do apoio à Ciência.

  

http://www.publico.pt/ciencia/noticia/passos-coelho-nega-corte-nas-bolsas-de-doutoramento-1620055

 

 

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publicado às 17:00

Regresso ao passado um pouco por todo o lado

por Pedro Delgado Alves, em 13.01.14

Os ventos do regresso ao passado não se ficam pelas parvoíces promotoras do retrocesso educativo que pontuaram este fim-de-semana em Oliveira do Bairro, nem sequer são exclusivo de alguma direita cá do burgo. Na velha Albion, o gosto pelo antigamente está a marcar pontos de forma clara e, com umas eleições europeias a caminho e um ameaço de bom resultado por parte do UKIP de Nigel Farage, o establishment conservador não perde uma oportunidade na corrida para o fundo do populismo: o núcleo do duro dos eurocéticos exige agora um poder de veto do Parlamento britânico sobre a produção normativa europeia. Estou longe de aderir à estupenda gestão dos líderes europeus que temos e acho que é precisamente a falta de capacidade de regeneração do projeto europeu que vai dando mais espaço para isto, mas os sinais são preocupantes em si mesmos. 

 

No entanto, não é tudo o que gostaria de destacar, uma vez que os sintomas nacionalistas andam por outros lados, normalmente poupados a estas linhas de leitura excessivamente politizada. A semana passada, por exemplo, foi a novela promovida pelo Secretário de Estado da Educação, Michael Gove, em torno da visão dominante sobre a I Guerra Mundial, que acusa de contaminada por desvios históricos dos perigosos marxistas que ocuparam as Universidades. Estes historiadores não patrióticos teriam, segundo o responsável pela pasta da educação, contribuído para denegrir a liderança militar e impedir a passagm da mensagem certa sobre a guerra, a de que imperialismo alemão precisava de ser travado (um quadro nacionalista e maniqueista particularmente útil para lançar farpas a uma UE gemanizada). Pelo meio, a quarta série da saga da família Blackadder, passada numa trincheira em França em 1917, não escapa incólume, precisamente porque contribui para o tal desprestígio da gesta heróica com a sua perigosa leitura irónica e relativista.  

 

Nada melhor do que diálogo da própria série para conseguirmos rir a pensar e pensar a rir sobre a complexidade indispensável à História do caminho que levou as potências europeias ao suícido coletivo do primeiro conflito mundial. Será uma boa oportunidade para acertar no tom certo para assinalar o seu centenário. Ora cá vai: 

 

Blackadder: Do you mean "Why did the war start?"

Baldrick: Yeah.

George: The war started because of the vile Hun and his villainous empire-building.

Blackadder: George, the British Empire at present covers a quarter of the globe, while the German Empire consists of a small sausage factory in Tanganyika. I hardly think that we can be entirely absolved of blame on the imperialistic front.

 

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publicado às 00:18

Prémios Arco-Íris 2013

por Pedro Delgado Alves, em 12.01.14
Foi ontem, no Teatro do Bairro, a atribuição dos Prémios Arco-Íris 2013, na qual, conjuntamente com a Isabel Moreira representei os 99 Deputados e Deputadas que votaram a favor da lei da co-adoção. Ainda falta muito para eliminar todas as desigualdades, mas o alento dado pelo reconhecimento do trabalho que vamos conseguindo fazer é formidável!


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publicado às 23:45

LEITURAS

por David Areias, em 11.01.14

Aquilino Ribeiro
Quando os Lobos Uivam
1958

"- A nação é de todos. A nação tem de ser igual para todos. Se não é igual para todos, é que os dirigentes, que se chamam Estado, se tornaram quadrilha. Se não presta ouvido ao que eu penso e não me deixa pensar como quero, se não deixa liberdade aos meus actos, desde que não prejudiquem o vizinho, tornou-se cárcere. Não, os serranos, mil, cinco mil, dez mil, têm tanto direito a ser respeitados como os restantes senhores da comunidade. Era a moral de Cristo: por uma ovelha... Se os sacrificam, cometem uma acção bárbara, e eles estão no direito de se levantar por todos os meios contra tal política."

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publicado às 22:13

O preço da ignorância...

por Pedro Delgado Alves, em 11.01.14

 

Já nem se esconde, nem se sussura em reuniões à porta fechada. A agenda de implosão da escola pública e de recuo na aposta no ensino para todos é assumida e está aí em todo o seu despudorado esplendor, pela mão da Juventude Popular, sempre alerta para as necessidades de todos os jovens.  

 

Não devemos estranhá-lo. Afinal, insistir em 12 anos de escolaridade é de facto um disparate, o que têm o jovens a ganhar com mais qualificações? Isto está tão fácil de arranjar emprego, o País tem resultados bem acima da média dos seus parceiros Europeus e da OCDE em frequência do ensino secundário e superior, somos hiper-competitivos e temos professores bem a menos do que precisamos. Até é de estranhar que só agora estes patrióticos promotores do desenvolvimento se tenham lembrado de acabar com este regabofe educativo.

 

E, repare-se, é uma proposta muito bem fundamentada, invocando-se precisamente a "liberdade de aprender" enquanto "direito fundamental de cada pessoa" para recuar na obrigatoriedade da escolaridade (desde que se leia, apesar de tudo, "de cada pessoa que consiga pagar"). 

 

Andámos a estudar acima das nossas possibilidades e agora, graças ao ajustamento purificador que temos o privilégio de atravessar, podemos voltar a ser tão ignorantes como éramos nos tempos em que imperavam os valores tradicionais, em que cada um sabia o seu lugar e em que toda a gente escolarizada sabia as estações do caminho-de-ferro de Benguela. 

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publicado às 18:33

A letargia

por Pedro Ângelo, em 10.01.14

Numa semana marcada pelo prematuro desaparecimento de um dos maiores vultos no pretérito século do desporto nacional, constata-se o torpor a que, melancolicamente, retornámos após quase 40 anos de democracia.

Não querendo retirar o foco à homenagem merecida, e devida, a Eusébio da Silva Ferreira, fico incomodado com o país em suspenso e a adesão em massa às cerimónias fúnebres que se arrastaram por 48 horas, com direito a cobertura e a emissão constante pelos canais portugueses de televisão em sinal aberto.

Cabe extrair daqui algumas considerações, o futebol como desporto rei assume cada vez maior importância no quotidiano das pessoas, movimentando paixões e ódios num país em crise económica carente de emoções.

Ainda que com as devidas cautelas, o futebol assume-se como o circo às massas dos tempos hodiernos, que divertia e silenciava os súbditos de Roma. Com as devidas cautelas porque o futebol é um desporto sem violência e até muitas vezes promotor da inclusão e da integração social.

Não obstante isso, entendo que o futebol assume hoje excêntrica importância em detrimento de causas maiores por inépcia dos seus agentes em alguns casos e por conveniência em outros. E aqui refiro-me directa e especialmente aos políticos que hoje nos lideram. Se a mediocridade impera no seio dos partidos políticos e é conveniente aos seus intérpretes, não se deve excluir a responsabilidade àqueles que, possuindo as competências e o reconhecimento público para o impedir, se frustram em lugares cómodos e em cadeiras de opinião.

Em diversos estudos de opinião publicados, as pessoas demonstraram desdenho com as actuais lideranças políticas, emitindo uma esmagadora preferência por outros que na sombra permanecem, cogitando pelo dia em que todos os ventos soprem a favor. Ora, socorrendo-me duma máxima futebolística, uma equipa só joga o que a outra deixa jogar.

Sob pena da letargia actual se tornar fatal, é tempo de arriscar!

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publicado às 12:30

O Panteão não é só para o escrivão e para o charlatão.

por Nuno Félix, em 08.01.14

Nem o Eusébio foi apenas um atleta de exceção nem o futebol é apenas mais uma modalidade desportiva. Eusébio pode reclamar para si uma boa parte do orgulho, sentimento de pertença, dignidade nacional que assistiu a um país "orgulhosamente só" pluri-continental, ultra-analfabeto, mega-pobre, multi-miserável. Para mais de uma geração, e muito em particular para os portugueses na diáspora, Eusébio foi, a dada altura, talvez a melhor razão para continuarmos a ser portugueses, ou pelo menos para continuarmos a sê-lo com menos vergonha. Aliás, até Salazar percebeu que tinha ali um "património nacional" essencial para a própria coesão do Império e para a sua sobrevivência no contexto internacional. E quanto ao ofício... bem, deve o Panteão ser reservado apenas a alfabetizados escritores e trovadores? Que não haja quaisquer dúvidas em afirmar que se antigamente os povos vibravam com feitos dos nossos maiores guerreiros, relatados uma pena inspirada ou por uma voz mais afinada, e apenas assim conquistaram a eternidade, hoje, na era do digital/global essa poesia escreve-se de 15 em 15 dias no Bernabéu em direto e a cores para centenas de milhões de pessoas. Aliás à nossa escala, não fosse o futebol e é fiável apostar que 99% dos portugueses nascidos depois do 25 de Abril desconheceriam por completo o próprio hino nacional.

Eusébio no Panteão claro está porque estamos no século XXI, com tudo o que isso significa de bom e de menos promissor.

Hoje os lobos uivam quando, e à escala planetária, de cabeça, de pé direito ou com a canhota, o Aquilino Ribeiro que joga com a camisola 7 da nossa seleção, marca um golo para alegria de todo um povo, amaldiçoado pela diáspora, condenado pelas suas elites. As mesmas que reservam para si o direito de ocupar os jasigos vagos no Panteão Nacional.

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publicado às 21:56

Eterno

por Pedro Delgado Alves, em 05.01.14

Havia nele a máxima tensão

Como um clássico ordenava a própria força

Sabia a contenção e era explosão

Não era só instinto era ciência

Magia e teoria já só prática

Havia nele a arte e a inteligência

Do puro e sua matemática

Buscava o golo mais que golo - só palavra

Abstracção

ponto no espaço

teorema

Despido do supérfluo rematava

E então não era golo -

era poema.

 

Poema de Manuel Alegre

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publicado às 23:41

"Grande-Oficial" e o Cangalheiro.

por Nuno Félix, em 03.01.14

“É indescritível o sentimento de orgulho e honra por esta distinção e por este reconhecimento por parte do mais alto representante do Estado português”, comentou humildemente Cristiano Ronaldo.

A Ordem do Infante D. Henrique distingue quem “houver prestado serviços relevantes a Portugal, no país e no estrangeiro, assim como serviços na expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores”, o que se “aplica a Cristiano Ronaldo, que ao longo dos anos tem elevado o nome do país”.

Já em 2004, depois do Europeu de Futebol que se realizou em Portugal, Cristiano Ronaldo, juntamente com toda a equipa da seleção nacional, recebera das mãos do então Presidente da República, Jorge Sampaio, o grau de Oficial desta mesma Ordem. Dez anos depois, o jogador do Real Madrid receberá de Cavaco Silva o ... grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique.

 

Ronaldo é então agora promovido de mero "Oficial" a "Grande-oficial" da Ordem do Infante D. Henrique 10 anos depois…segundo a página oficial do Palácio de Belém por ser um “atleta de renome internacional que tem sido um símbolo de Portugal em todo o Mundo, assim contribuindo para a projeção internacional do país, e um exemplo de tenacidade para as novas gerações”.

 

Ora vamos aos factos, nestes 10 anos o cidadão Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro tornou-se, porventura, no único português da nossa história quase milenar conhecido e reconhecido em vida pelo seu mérito à escala planetária. Aos 28 anos, o madeirense fez inquestionavelmente mais pelo país de Cristiano Ronaldo, do que grande parte dos Senhores Comendadores que se passeiam de medalhão ao peito no 10 de junho.

Para mais do mesmo, o Presidente da República do país de Cristiano Ronaldo só pode andar muito distraído, ou talvez não tenha saído muito do Palácio, e menos ainda além fronteiras... É que quem tem um pedacinho de Mundo, pode comprovar facilmente de Este a Oeste, do Pólo Norte (onde fui reconhecido como seu compatriota) aos recentemente resgatados exploradores da Antártida, toda a gente sabe responder à pergunta: - "Quem é Cristiano Ronaldo?" Da mesma forma, infelizmente, muito poucos sabem ao certo onde fica o país do qual é nacional "O melhor jogador do Mundo".

Fosse outro o ramo de atividade do cidadão Cristiano Aveiro, e a nação já o teria agraciado há muito com a Grã-Cruz, senão mesmo com Grande Colar da mesma Ordem, onde ficaria na solidão da indesejável companhia de um pouco viajado e recomendável cidadão - o felizmente já falecido professor de Finanças António de Oliveira Salazar.

Para que se saiba, o capitão da nossa Seleção Nacional de Futebol, na opinião da Presidência do país de CR7, ainda não fez o suficiente "ao serviço da expansão da cultura portuguesa ou para conhecimento de Portugal, da sua História e dos seus valores" que merecesse a mesma honra dos excelsos "embaixadores" que receberam a Grã-Cruz só no último ano! Foram eles:

- António Lobo Antunes (ex-secretário de Estado, diplomata de carreira e bom nome de família);

- João Proença (reformado de sindicalista como deputado...); 

- José Hermano Saraiva (ex-ministro de Salazar e inventor histórico de prosa escorreita);

- Joaquim Germano Pinto Machado Correia da Silva (ex-deputado à Assembleia Nacional e membro da Comissão de Apoio a Cavaco Silva na campanha às eleições presidenciais);

- Ruy Alberto Rebelo Pires de Carvalho (Presidente do Conselho Nacional para a Política da 3.ª Idade e mandatário da campanha de candidatura de Pedro Santana Lopes à CML e da campanha de candidatura de Carmona Rodrigues à... CML);

- Pedro Manuel Guedes de Passos Canavarro (coveiro do PRD, trineto do político e parlamentar Passos Manuel e vive em Santarém numa casa outrora habitada por D. Afonso Henriques);

- Diogo Alves de Sousa de Vasconcelos (ilustre militante do PSD e mandatário digital da candidatura de Cavaco Silva às eleições presidenciais);

Manuel Ferreira Patrício (nem entrada tem na Wiki mas sabemos que fez parte do Conselho Coordenador do Ensino Superior Particular e Cooperativo...)
- Lúcio Alberto de Assunção Barbosa (delegado do procurador da República nas comarcas do Bié, Angola, e Santo Tirso,  J
uiz de Direito nas comarcas de Cinfães e Resende, Tribunal de Polícia do Porto, Tribunal Tributário de 1.ª Instância do Porto e Tribunal Fiscal Aduaneiro do Porto, foi ainda juiz desembargador do Tribunal Tributário de 2.ª instância até chegar ao STJ);

- Domingos Teixeira de Abreu Fezas Vital (ex-assessor diplomático do Governador de Macau, general Vasco Rocha Vieira, que apoiou a candidatura de Cavaco Silva à Presidência é hoje assessor diplomático de... Cavaco Silva).

 

P.s.: Cristiano se queres honras da República pede ao Florentino Pérez para te transferir para o Clube Desportivo de Boliqueime. A modalidade mais forte é o hóquei em patins, mas na República de Cavaco tens mais hipóteses de receberes a Grã-Cruz como campeão destrital de Faro dos 110 metros barreiras, do que como o Bola de Ouro, Bota de Ouro, ou medalha de ouro como campeão mundial de futebol.

 

 

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publicado às 18:22

O Fantasma da Europa do Natal Passado

por David Areias, em 02.01.14

A União Europeia não está bem e o projecto europeu, tal como foi pensado pelos seus fundadores, está em risco. Confrontada com a maior crise económica e financeira da sua história, a quebra dos laços de solidariedade entre os Estados foi imediata e evidente. Tem-se seguido, discreta e progressivamente, o ressurgimento de velhas e perigosas ideias: a de uma Alemanha controladora; a de europeus incorrigíveis a sul; a de europeus irrepreensíveis a norte; a ideia de culpados; a ideia de vítimas. Tudo isto alicerçado na moral da fábula da formiga e da cigarra, que acaba com o inevitável e merecido castigo desta. Está por saber a profundidade da brecha aberta por estas ideias na Europa democrática que tanto nos custou a construir.

No ano do centenário do início da Grande Guerra, não podemos deixar de iniciar um exercício dickensiano, visitando a Europa do Natal passado. Como e a que ponto chegámos então...


Onde queremos chegar amanhã?

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publicado às 23:39

Benilde, a criada.

por Nuno Félix, em 28.12.13

 Para quem um exercício crítico sobre a caridade raia a eresia, e a solidariedade não passa da "caridade da esquerda", para quem "os tribunais do trabalho são contra os empregadores", para quem o salário mínimo é uma limitação à liberdade de contratar, e a ter que existir, o seu valor é sempre um obstáculo à própria contratação e uma boa desculpa para os números do desemprego ou até para a anemia da iniciativa. Para quem é filho, pai, marido, amigo, de uma Ernestina qualquer e isso o compraz. Que saiba aqui que ser de esquerda é combater estas e outras injustiças, é combatê-los a eles, os exploradores, os que abusam da sua posição (social, económica, até intelectual) para subjugar outros seus iguais mas em quem eles mais não vêm que o seu "conteúdo funcional".

 

"Analfabeta, nunca casou e cuidou da patroa até ela morrer. Agora pede aos herdeiros que paguem tudo aquilo a que tinha direito e nunca recebeu

Benilde não o sabia, mas aos 17 anos entregou a sua vida a Ernestina. Quando deu por ela tinham passado cinco décadas, a patroa estava deitada na cama às portas da morte, ela noutra cama no mesmo quarto a acorrer aos seus ais, e sem ter ninguém. Benilde não se casou, não teve filhos. Nem tão-pouco se lhe conheceram namorados, saídas nocturnas ou matinés com as amigas. Durante 50 anos foi uma criada exemplar: limpava a casa, lavava e engomava a roupa, engraxava os sapatos, preparava e cozinhava as refeições, tratava do galinheiro, da horta e do jardim e, se preciso fosse, ainda acordava a meio da noite para cuidar da patroa. Não folgava, não gozava feriados - a não ser o dia de Natal - e mesmo quando ia à missa obrigava-se a regressar a correr porque o trabalho não esperava. No meio disto, nunca aprendeu a ler nem a escrever. Benilde, analfabeta, passou dois quartos de século a trabalhar, sete dias por semana. Em troca, nunca ganhou mais de 150 euros por mês." In Jornal I 27\12\12

 

Esta história começou em 1960, mas chegou aos nossos dias contemporânea do trabalho escravo que persiste em florescer num país em que um teto e pão cada vez mais preenchem a ambição de muitos portugueses. O texto da notícia choca pelo voluntarismo ingénuo de Benilde e pela crueza do distanciamento da patroa Ernestina com quem privou, num dado sentido, mais do que muitas pessoas em união de fato ou até em matrimónio. Feitas as contas, uma mulher passou ao lado da vida servindo a vida de outra para que esta a passasse melhor poupando-a a sequer um só dia solidão até ao fim duns bem cuidados 99 anos.

Por fim, na morte como na vida, a gratidão dos Senhores sobre os serviçais, uma espécie de mão-invísivel, de tal forma invísivel, que das poucas vezes que foi avistada pariu santos e mecenas, e que no caso concreto não mostrou mais do que a falangeta do mindinho. Ingrata pelos 50 anos de doce e fiel proto-escravatura a "criada" pediu aos herdeiros testamentados a possível reparação.

Último recurso dos fracos contra os fortes, a lei, que protege os primeiros e que os segundos dispensam, no "Tribunal de primeira instância condenou os herdeiros a pagar a Benilde 18 659 euros, fora juros de mora, devido ao salário não actualizado e aos subsídios que ficaram por pagar. Mas Benilde recorreu, inconformada por aquele tribunal ter concluído que "trabalhava sete dias por semana, folgando por vezes ao domingo", e invocando que a ser descontado do salário mínimo mensal valores de alimentação e alojamento - que não pagava - esse valor nunca poderia ser superior a 47% do ordenado mínimo.

Chamado a decidir, o Tribunal da Relação do Porto concluiu que Benilde gostava da patroa como de uma mãe e se mais vezes não folgou ao domingo foi porque não quis. "Seguramente algumas vezes não foi preciso fazer o almoço de domingo, nem voltar para fazer o jantar, e algumas vezes a recorrente gozou a sua folga, fora de casa, ainda que sempre voltasse para dormir, e que a gozou sem sair da casa, que era também a sua", diz o acórdão, que não foi em tudo desfavorável a Benilde.

Concordando que alimentação e alojamento não podem representar mais de 47% do ordenado, os juízes desembargadores mandaram calcular quanto custaria um quarto naquela região e alimentação completa, ano após ano, desde 1992. O juiz vai ter de voltar a ouvir a história de Benilde."

E que país míseravel é este em que uma farda, um quarto refundido, e as sobras da refeição da patroa pode contabililizar mais do que 47% da remuneração devida?!

 

O que diz o acórdão do Tribunal da Relação do Porto

“Pelo menos desde 1960, por acordo efectuado verbalmente, a B. trabalhava para E. como empregada doméstica. As funções de B. consistiam em confeccionar refeições, fazer a lavagem e tratamento de roupas, serviços de jardinagem, cultivo da horta e execução de outras tarefas relacionadas com estas. Nos últimos anos, a sua função era de vigilância e assistência a E., mantendo as funções relacionadas com a casa de habitação. A B. vivia em casa de E., que lhe fornecia alimentação e alojamento. A B. nunca gozou férias enquanto trabalhou para a E. A B. trabalhava sete dias por semana, folgando por vezes ao Domingo. A B. vivia em casa da E., estando sempre disponível para as necessidades desta, tratando-a como se fosse sua mãe. A B. nunca gozou qualquer feriado obrigatório com excepção do dia 25/12. A B. nunca auferiu subsídio de natal ou subsídio de férias. Durante os vários anos que trabalhou para a referida E., nunca a B. reclamou quanto ao salário pago, horas de trabalho, falta de gozo de dias de descanso ou falta de pagamento do que quer que fosse.”

“E. era uma pessoa doutros tempos, antiga, cuja perspectiva sobre a relevância da criada era a da sua redução a uma trabalhadora permanente, sem qualquer interesse próprio. [...] É um facto notório e absolutamente incontestável que esta foi a perspectiva de muitas pessoas antigas, obviamente não de todas e variando de meio rural para urbano e de meio urbano para meio urbano concretamente considerado. E é também absolutamente comum que muitas destas empregadas se afeiçoaram – à míngua da possibilidade de tempo e dinheiro para desenvolverem outros interesses – aos seus patrões, aos quais dedicaram toda a vida, e em cujas famílias praticamente se integraram.”

“Reafirmamos que para uma empregada doméstica alojada, o facto de estar em casa não significa estar a trabalhar, podendo estar também a descansar, seja no seu próprio quarto ou alojamento, seja no resto da casa, ou no quintal, e o tempo de receber visitas próprias nessa casa, sem estar a trabalhar, é tempo de descanso.”

“E conjugando os depoimentos, de F., G. e H., temos de aceitar que a recorrente ia algumas vezes visitar a família, e apreciados os mesmos à luz das regras de experiência normal, temos de considerar que os depoimentos se referem a uma realidade genérica, mas não concretizam domingo a domingo de 50 anos, o que seria absolutamente impossível. E temos de considerar que seguramente algumas vezes não foi preciso fazer o almoço de domingo, nem voltar para fazer o jantar, e algumas vezes a recorrente gozou a sua folga, fora de casa, ainda que sempre voltasse para dormir, e que a gozou sem sair da casa, que era também a sua.”

“Ora, no âmbito do seu contrato, a B. tinha alojamento e alimentação e por isso o custo respectivo não teve de ser por ela especificamente pago em contado. A Autora beneficiou desse alojamento e alimentação. É verdade que no caso em que o trabalhador tem um alojamento próprio, o alojamento em regime de internato no domicílio patronal se afigura mais benéfico ao empregador do que ao trabalhador. [...] Em suma, não é defensável que o alojamento não possa ser considerado retribuição por ser estabelecido em favor do empregador.”

“Sendo a disciplina regulada de modo idêntico ao longo dos diversos diplomas, neste ponto concreto do recurso assiste inteira razão à recorrente. Na matéria de facto provada apenas se apurou alojamento e alimentação – de resto, sem mais qualquer pormenorização – e não se apurou – o que também era discutido – se a recorrente igualmente beneficiava de vestuário fornecido pela empregadora. Não se tendo apurado qualquer outra prestação em espécie além do alojamento e alimentação, o valor percentual (35% para a alimentação e 12% para o alojamento) montava a 47%, percentagem que era o máximo que podia ter sido considerado. Haverá assim que, relativamente a todos os cálculos aplicar um aumento de 3%.”

“Nestes termos, e nos do artigo 662.o n.o 2 al. c) parte final do CPC (na versão da Lei 41/2013 de 26.6) anula-se oficiosamente a decisão da matéria de facto, ordenando-se a ampliação da matéria de facto para se apurar se o alojamento da recorrente era um quarto na casa da empregadora e para apurar o valor corrente na região dum quarto e da alimentação completa, ano a ano, em todos os anos reclamados pela recorrente, desde 1992, se necessário com um convite às partes para alegarem factos pertinentes.”

 

Esta é apenas uma história triste, mais uma da nossa triste história, que escolhi para meu primeiro texto aqui no Filibuster, para ilustrar e justificar as 3 razões que me levaram a aceitar escrever aqui. Ser de esquerda, ser português, ser humano.

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publicado às 18:50

E por falar em retrocessos conservadores...

por Pedro Delgado Alves, em 27.12.13

O Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), liderado por António Guterres, veio criticar a proposta de legislação britânica em matéria de asilo e refugiados apontando para um risco sério de estigmatização, de discriminação de base racial e de privação de acesso a serviços públicos essenciais e a apoio social mínimo. 

 

A reação dos backbenchers conservadores destacados para o ataque não se fez esperar e foram-se à jugular do Alto-Comissário, um burocrata não eleito com um perigosissímo passado como primeiro-ministro socialista, do qual nenhum Governo preocupado com as suas fronteiras deve ouvir lições. Uma linha ad hominem miseravelzinha, que esqucece oportunamente as conclusões de uma investigação autónoma das Nações Unidas sobre acesso à habitação, que vai no mesmo sentido, bem como o histórico do ACNUR em relação ao Reino Unido (que já no passado criticou propostas de legislação de Governos trabalhistas) e a outros países, que levaram críticas afinadas pelo mesmo diapasão (veja-se o caso da Suíça ou da Bulgária).

 

Interessante seria pedir a opinião do parceiro de coligação dos Conservadores, os Liberais Democratas, tendo em conta o seu corretíssimo histórico nesta matéria e onde se encontram vozes muito pouco satisfeitas com esta deriva (que, em abono da verdade se diga, já vem do tempo dos Governos do Labour).

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publicado às 22:25

Regresso ao passado

por Pedro Delgado Alves, em 27.12.13

O eixo mais reacionário do Governo espanhol tomou a dianteira e avançou, muito para lá das piores expectativas, com uma revisão do regime juridico aplicável ao aborto. A lei proposta pelo Ministro Gallardón é de tal forma radical, recuando para lá do quadro em vigor desde 1985 (muito para lá da mera revogação da lei aprovada no Governo Zapatero, conforme referido na campanha eleitoral), que setores mais moderados do PP começam a pedir moderação e bom senso. A entrar em vigor, a nova lei determinaria que cerca de 89% dos casos em que a IVG é hoje permitida em Espanha voltariam a ser punidos, empurrando quase uma centena de milhar de mulheres para o estrangeiro ou, como é infelizmente provável no quadro económico atual, para redes clandestinas e inseguras. 

 

Num momento em que a pressão económica é intensa, em que os níveis de confiança nas instituições é o mais baixo de sempre (incluindo os partidos e a própria instituição monárquica) e em que a tensão em torno dos processos soberanistas, em particular na Catalunha, ameaçam colocar em causa os equilíbrios fundadores da democracia espanhola, encetar um processo destes é de uma irresponsabilidade incendiára. Seguramente, a liderança do PP acha que vai galvanizar as bases e reforçar a coesão interna, apelando aos setores mais radicalmente conservadores. Na realidade, reabre um debate há muito encerrado e optar por uma linha a que a maioria da população está longe de aderir, instrumentalizando a saúde sexual e reprodutivas das mulheres espanholas e abdicando de um regime que tem demonstrado dar resposta adequada a uma questão complexa de direitos e saúde pública. 

 

Apesar de ter as maiores dúvidas da capacidade dos setores nacionais que comungam da mesma leitura dos autores da proposta de legislação espanhola de desencadearem uma inicativa similar (as petições que a Assembleia da República tem periodicamente analisado pecam pela fraqueza dos dados apresentados e pela manipulação descredibilizadora dos factos), os acontecimentos em Espanha são reveladores da necessidade de não dar nunca por adquiridas as mais relevantes conquistas civilizacionais, importando sempre continuar a informar e passar a mensagem, prevenindo os recuos e reforçando a consciência coletiva do que está em jogo. 

 

O debate em Espanha é tão nosso como dos nossos vizinhos. 

 

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publicado às 17:32

Sem levantar vôo

por Pedro Delgado Alves, em 27.12.13

 

Ficou-se hoje a saber, a partir de notícia do JN, que o Governo deixou cair o processo de reativação da ligação aérea para Trás-os-Montes. A linha foi descontinuada no final de 2012, e estava em curso a negociação do novo modelo de apoio às viagens (que passaria a assentar em apoios aos passageiros, ao invés de apoio ao prestador do serviço, à semelhança de modelos em vigor noutras rotas). Curiosamente, o processo foi abandonado no dia 30 de setembro, um dia depois das autárquicas deste ano. Eleições essas em que o PSD perdeu a Câmara de Vila Real para o PS, pela primeira vez na história de democracia.

 

No pior dos cenários, estamos perante algo similar ao modelo jardinista de fazer cobranças coercivas de contas da eletricidade apenas aos municípios em que o PSD perdeu as eleições para a oposição. No melhor dos cenários, foi apenas eleitoralismo, descontinuado mal se deixou de justificar fazer de conta que se queria reativar aquela ligação aérea. Em qualquer caso, é sempre mau..

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publicado às 16:20

O BOM EXEMPLO

por David Areias, em 19.12.13

Os professores portugueses foram ontem sujeitos a (mais uma) humilhação. Muitos reagiram a esse acto, demonstrando não se vergar perante o poder que lhes impõe um exame de acesso ao desemprego e uma desqualificação da sua formação e das escolas onde estudaram. Foi um bom exemplo.

Mau exemplo o dos governantes que se indignam perante a reacção dos professores, como se a humilhação do cidadão fosse o normal e o aceitável. Como se o bom exemplo de ontem ainda não fosse suficientemente bom. Continue-se, pois, a exemplificar bem.

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publicado às 20:23

LEITURAS

por David Areias, em 11.12.13

Mark Blyth
Austerity: the history of a dangerous idea
Oxford University Press, 2013

"John Quiggin usefully terms economic ideas that will not die despite huge inconsistencies and massive empirical failures as 'zombie economics'. Austerity is a zombie economic idea because it has been disproven time and time again, but it just keeps coming. Partly because the commonsense notion that 'more debt doesn't cure debt' remains seductive in its simplicity, and partly because it enables conservatives to try (once again) to run the detested welfare state out of town, it never seems to die. In sum, austerity is a dangerous idea for three reasons: it doesn't work in practice, it relies on the poor paying for the mistakes of the rich, and it rests upon the absence of a rather large fallacy of composition that is all too present in the modern world."

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publicado às 23:35

NADIR AFONSO

por David Areias, em 11.12.13

Faleceu hoje, aos 93 anos de idade, o pintor Nadir Afonso. Guardamos a singularidade da sua obra artística e a memória de um homem que sempre foi flaviense e transmontano. Que sempre falou como flaviense e transmontano. Um dos meus.

"Eu sou pintor e também qualquer coisa como atrasado mental; quando paro de trabalhar só me dá para vaguear pelos campos!"

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publicado às 23:17

Parabéns!

por Pedro Delgado Alves, em 07.12.13

 

Mário Soares, no dia em que fez 89 anos, deslocou-se a Viana do Castelo para uma ação de defesa dos Estaleiros Navais. Imparável.

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publicado às 21:00

46664

por Pedro Delgado Alves, em 06.12.13

Não há nada a escrever ou dizer que já não tenha sido ou que vá ser novamente dito, ou que não saibamos instintivamente a partir do legado de Nelson Mandela. Parafrasearia apenas o que ouvi há instantes na TSF pela voz do José Luís Peixoto: fomos privilegiados por ter vivido ao mesmo tempo e testemunhado a vida de Mandela. 

 

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publicado às 00:15

Maus-tratos contra animais: algumas notas e esclarecimentos

por Pedro Delgado Alves, em 05.12.13

O i de hoje dá destaque ao projeto do qual fui subscritor e que apresentámos para acompanhar uma petição que é discutida na 6.ª feira sobre maus tratos a animais. Tendo em conta a provável e relativamente inevitável onda especulativa e desinformativa exagerada que diplomas em matéria de animais normalmente convoca, parece-me de alguma utilidade esclarecer dúvidas que possam subsistir ou aparecer (desde já sugerindo a leitura da iniciativa aqui)

 

Apesar de providenciar manchetes atrativas, bem vistas as coisas, trata-se de um regime moderadíssimo, bem menos exigente e abrangente do que a associação promotora da petição requer ao Parlamento, limitando-se a concretizar o que falta na legislação da década de 90. 

 

Assim sendo, destacaria os seguintes traços do que está em causa: 

 

a) Em primeiro lugar, o projeto visa apenas animais de companhia (na linha de recomendações várias quanto à estabilidade do conceito e à existência de um quadro consensual em torno do regime próprio destes animais). Não há, pois, espaço para especulações sobre se o projeto vai do urso à formiga: está bem definido na lei ao que se aplica:


b) Por outro lado, o projeto não altera a legislação portuguesa no que se refere à definição dos atos que são lícitos e ilícitos (i.e. a tourada, a caça, o abate de animais realizado nos termos da lei por razões alimentares ou sanitárias, o regime de cães perigosos, a legislação sobre agropecuária e criação mantêm-se todos em vigor nos mesmíssimos termos de sempre.

 

c) De facto, apenas se passa a prever sanções para condutas que desde 1995 já são expressamente proibidas pela lei e que apenas não têm regime sancionatório associado (que foi remetido para posterior desenvolvimento, que nunca se chegou a produzir). 

 

d) A moldura penal máxima prevista no projeto para os casos de maus tratos que levem à morte do animal não excede a moldura que hoje já se aplica ao crime de dano (que é precisamente aquele que já enquadra, insuficientemente, a possibilidade de maus tratos ou morte de um animal). E esse é apenas o limite máximo para os casos mais graves, prevendo-se depois um quadro de contraordenações e sanções penais menos graves. Repare-se, ainda, que mesmo no que respeita às sanções penais, estamos no âmbito das molduras penais que permite a suspensão do processo e o recurso a sanções alternativas. E em todos os casos prevê-se a possibilidade de pena de multa como alternativa à pena de prisão.

 

Naturalmente, serão formuladas as objeções tradicionais relativas à prioridade desta matéria no momento de crise que atravessamos. Quando a essa linha argumentativa apenas há a dizer que a Assembleia da República não perdeu a sua soberania para alterar e melhorar a ordem jurídica quando necessário, devendo ser sensível às preocupações que os cidadãos (de forma bem expressiva) lhe trazem por via das petições. O debate de vinte minutos na próxima 6.ª feira dificilmente travará a saída da crise ou agravará o estado das contas públicas. Pode, no entanto, tornar a sociedade mais equilibrada nos valores que sustenta.

 

Para além disso, trata-se de um tema que temos vindo a acompanhar desde que as primeiras petições foram entregues, que já foi anunciado em anteriores momentos (em plenário e em comissão) perante a realidade que hoje temos e que é marcada por um quadro jurídico incompleto em matéria sancionatória. Simultaneamente, desde há vários meses que temos vindo a reunir com todos os interessados e com os profissionais técnicos dos setores relevantes, sempre procurando soluções equilibradas.

 

Penso que esta solução é mais do que razoável e que peca por tardia. 

Espero que a maioria do Deputados concorde com esta leitura na próxima 6.ª feira. 

 

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publicado às 01:36

Se não fosse a realidade isto até corria bem

por Pedro Delgado Alves, em 04.12.13

 

Os últimos dias não têm sido famosos para Nuno Crato, demonstrando que não basta agrupar lugares-comuns revivalistas sobre o sistema educativo e embrulhá-los num discurso libertador das anatemizadas Ciências da Educação, repetindo o mantra rigor até à exaustão do interlocutor. 

 

Depois de ter feito perder a cabeça aos reitores, encostados mais uma vez às cordas por um orçamento feito todinho no Terreiro do Paço perante a passividade de um titular da pasta da Educação que não consegue fazer prevalecer a ideia de que há alguma utilidade económica em não arruinar o sistema de ensino superior, seguiu-se a resistência intensa à prova de acesso para docentes contratados, que apenas algum bom-senso parcial de última hora permitiu travar na sua escala mais absurda, que apontava para a sujeição de docentes com anos de experiência e várias vezes avaliados a uma prova injustificada mesmo para quem pretende aceder à carreira. 

 

Agora, novamente através de um relatório PISA, da OCDE, surge a demonstração de que a narrativa com a qual o Ministério da Educação e Ciência contava não adere minimamente à realidade. Apesar de continuar abaixo da média dos países da organização, Portugal continuou a progredir em leitura e matemática na sequência das reformas desenvolvidas na última década, revelando um sistema educativo em melhoria, algo que mereceu um reparo elogioso no relatório. Simultaneamente, a Suécia, um dos modelos apregoados pela atual maioria como fonte de inspiração para as reformas "libertadoras" do sistema, privilegiando a liberdade de escolha e a inevitável transferência de recursos da escola pública para o setor privado, volta a piorar a sua posição realtiva nas avaliações mais relevantes. 

 

Em suma, com argumentos sólidos como estes, que já ninguém consegue apresentar como mera propaganda manipulada pelo spin governativo de José Sócrates, ainda se consiga ir a tempo de travar a única implosão a que Nuno Crato efetivamente se dedicou: a da qualidade do ensino. Ou isso, ou preparemo-nos para que as próximas gerações, com grande exigência e rigor, como no antigamente, passem a decorar as estações de serviço das auto-estradas ou as estações de metro de Lisboa e Porto (uma vez que o sistema ferroviário, em desmantelamento como se encontra, já não se serve para alimentar exercícios de memorização como dantes). 

 

 

PS: Mais detalhadamente sobre o relatório, o claríssimo texto do Hugo Mendes, no local habitual

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publicado às 09:25

Também sou um mau socialista

por Pedro Delgado Alves, em 04.12.13

 

Texto formidável de Manuel Alegre. 

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publicado às 01:13

Sequestrados

por Pedro Delgado Alves, em 03.12.13

 

Muito se tem escrito sobe a intervenção do Secretário de Estado dos Assuntos Europeus em Atenas (que lhe valeu localmente o epíteto de "alemão") e sobre a total ausência de solidariedade e de capacidade e/ou vontade que manifestou na construção de uma opção política alternativa a partir das periferias atingidas pela crise. Entretanto, parece que até se vangloriou pelo twitter de ser a nova bête noire da esquerda grega, distanciando-se renovadamente de qualquer associação a essa perigosa gente helénica.

 

O episódio assinala com redobrada clareza a forma como o atual Governo adere ideológica e politicamente à lógica da Troika. Se outra finalidade não serve, permite pelo menos reforçar a resposta que o PM merece da próxima vez que perguntar de forma sonsa num debate quinzenal por uma alternativa num quadro de uma Europa irredutível: hipóteses para tentar não faltam, particularmente no plano da concertação de esforços à escala europeia, o Governo é que não as quer e nunca as quis. Já nada sobra do escasso pudor que tinha em escondê-lo.

 

Bruno Maçães pode bem estar convicto de que o rumo de austeridade que seguimos é o indicado para a refundação virtuosa do Estado Português, que os desempregados e os pensionistas com pensões de ainda maior miséria sejam meros acidentes de percurso, e que, ulrichianamente, tenhamos de aguentar, aguentar. 

 

Não pode é ficar à espera de que os demais Portugueses (e os Gregos e as outras vítimas da locura austeritária) se submetam com alegria e felicidade incontidas à narrativa que lhes hipoteca o futuro, aceitando e admirando os termos em que são sequestrados por uma Europa sem visão, aplaudindo a sua adesão às teses mais diabólicas e contraproducentes que têm sido testadas (sem sucesso) nestas cobaias periféricas. 

 

Mais do que procurar aplicar a fórmula de Berlim, a da austeridade, o nosso Secretário de Estado dos Assuntos Europeus desejaria provavelmente que os Portugueses se rendessem a uma fórmula de Estocolo, a do síndroma...

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publicado às 00:01

90 anos

por Pedro Delgado Alves, em 02.12.13


Maria Callas (1923-1977)

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publicado às 15:43

Democracia e protesto - algumas ideias (I)

por Pedro Delgado Alves, em 02.12.13

 

Que a crise iria criar um aumento da contestação social e um agravamento da dureza das manifestações de descontentamento é algo do qual todos já há bastante tempo tínhamos consciência. Apesar de a violência política não ser, felizmente, uma realidade frequente entre nós e de continuar arredada dos acontecimentos recentes, já em contexto de austeridade reforçada (com exceção única para a manifestação frente ao parlamento, no ano passado, que terminou com carga policial depois de horas de lançamento de objetos e pedras à polícia), o aumento da tensão é evidente. O nervosismo de quem vê apelos à violência onde apenas se procura sublinhar esse risco é precisamente um indício dessa mesma noção do risco.

 

Neste sentido, veja-se o aumento significativo da frequência com que as sessões da Assembleia da República são interrompidas por cidadãos que se encontram nas galerias, a transformação do espaço junto às escadarias do parlamento no palco por excelência e frequente da contestação e do culminar das manifestações de rejeição das medidas do Governo, as ocupações de ministérios na sequência da aprovação do OE para 2014 (numa ação muito pouco institucional face ao que tradicionalmente a CGTP opta por perfilhar como meio de luta) ou os episódios junto aos CTT de Cabo Ruivo, na passada sexta-feira.

 

Perante este cenário, o debate em torno do quadro jurídico que temos para enquadrar o protesto tem vindo a ser colocado em cima da mesa por alguns agentes políticos, que se interrogam sobre a necessidade de o alterar e de agravar as medidas de prevenção ou repressão dos protestos que, em seu entender, possam ser vistos como excessivos. Nesta linha, e ainda esta semana, voltou a estar em cima da mesa a questão do acesso às galerias do público da Assembleia da República, algo que, no rescaldo do episódio da "tomada" da escadaria pelos manifestantes das forças de segurança perante a passividade dos colegas que asseguravam a segurança da manifestação, pode encaminhar eventuais decisões pelo caminho errado, marcadas excessivamente pelo calor do momento. 

 

Parece-me, no entanto, que o quadro jurídico que hoje temos no que concerne a manifestações (e à presença de público no interior do parlamento, já agora) é equilibrado e capaz de dar respostas às necessidades de exteriorização do disenso e da opinião diversa (ou concordante) com as opções fundamentais dos Governos.

 

Apesar do caráter desatualizado de muitas das normas constantes do diploma que regula a matéria - um dos primeiros diplomas aprovados depois da Revolução de Abril (o Decreto-Lei n.º 406/74, de 29 de agosto) - a conformidade da sua letra com uma leitura plena da Constituição tem sido assegurada através de uma interpretação conforme dos aplicadores adminsitrativos e jurisdicionais ao longo das últimas décadas. Dificilmente os episódios descritos depõem no sentido de uma revisão a quente, que esqueça o sólido enquadramento doutrinal e jurisprudencial (solidificado com intervenções orientadoras e claras do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos). E se é certo que algumas zonas de incerteza vão aparecendo e que se prendem com evoluções inovadoras na forma de mobilizar os cidadãos ou com alterações de modelo tradicional das manifestaçõs (as mobilizações via rede sociais, ou a recente proposta da CGTP de atravessar a ponte 25 de abril), estão longe de justificar uma revisão global, num momento em que o debate dificilmente se faria de forma serena e ponderada. É, pois, importante não enveredar por alterações estruturantes à lei num momento em que podem ser lidas como condicionamento restritivo dos direitos em causa, pondo em causa o tal consenso pacífico de vários anos da sua aplicação. 

 

Por seu turno, em sede de presença nas galerias de público (o assunto que é mais provável que venha a ser discutido em breve), o acesso é feito de forma livre pelos cidadãos que se apresentem e identifiquem junto dos serviços da Assembleia, sendo informados de que não podem interferir nos trabalhos. A sanção para o incumprimento deste dever encontra-se prevista há anos no Código Penal, cujo artigo 334.º (peerturbação do funcionamento de órgão constitucional) determina que quem, com tumultos, desordens ou vozearias, perturbar ilegitimamente o funcionamento de órgão de soberania é punido com pena de prisão até 3 anosApesar desta clareza, a opção dos órgãos responsáveis pela gestão da vida parlamentar (e de outras entidades com competência para agir) há vários anos que tem sido a de não desencadear procedimentos criminais contra quem interrompe o plenário com protestos.


Este tem sido um exercício de bom senso, sensível ao que muitas vezes impele os cidadãos a protestar, e que apesar de poder reduzir a função preventiva da norma, tem permitido gerir um contexto de agravamento do desespero de muitas pessoas que sentem a necessidade de exigir ali, quando tudo falha, quando ninguém ouve, o direito a uma vida decente, a uma vida digna, a não ser tratado como um número numa folha excel de uma qualquer figura de segunda linha da Troika.

 

Significa isto que, perante esta praxe, não há espaço para reflexão e que o Parlamento não deve poder assegurar a compatibilização das reuniões com a presença fundamental de cidadãos nas galerias? Parece-me que, pelo menos, a ponderação da simples exclusão futura, por um período de tempo razoável, de quem não respeitou as regras de acesso às galerias se afigura mais do que suficiente e adequada para dar um sinal do equilíbrio que tem de se manter entre o direito de acesso ao parlamento, a liberdade de expressão e a necessidade de as reuniões do órgão de soberania decorrerem de forma não tumultuosa. 

 

Como poderemos discutir, num regresso prometido ao tema para breve, a opção em curso em Espanha é precisamente a inversa e tem todos os ingredientes para correr mal e revelar-se contraproducente. 

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publicado às 15:33

Mais sobre a reforma do Filibuster

por Pedro Delgado Alves, em 01.12.13

E aqui vão, como curiosidade para acompanhar o nome de batismo deste cantinho de internet, alguns artigos sobre a reforma da figura do filibuster no Senado dos Estados Unidos, em ambos os sentidos do debate: 

 

The Way to a More Responsive Congress

These ‘Reforms’ Are a Huge Mistake

Maybe Now We’ll See Some Action

Don’t Expect Much to Change

How Democrats Learned to Stop Worrying and Love the Bomb

The Old Senate Was Already Dead

 

E ainda: A filibuster FAQ

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publicado às 03:50

Happy Hanukkah!

por Pedro Delgado Alves, em 30.11.13

 

Tom Lehrer - Hanukkah in Santa Monica

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publicado às 22:55





Filibuster, subs.

1. Utilização de tácticas de obstrução, tais como o uso prolongado da palavra, por membros de uma assembleia legislativa de forma a impedir a adopção de medidas ou a forçar uma decisão, através de meios que não violam tecnicamente os procedimentos devidos;

Filibuster, noun
1. The use of obstructive tactics, such as prolonged speaking, by a member of a legislative assembly to prevent the adoption of measure or to force a decision, in a way that does not technically contravene the required procedures;

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