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Linguagem Filibusteira

por David Areias, em 25.02.13
Roubam-me a voz
quando me calo
ou o silêncio
mesmo se falo

Jorge de Sena


Há uma linguagem que nos prende. Aparentemente inteligente e cheia de significado, cujo uso rapidamente se generaliza, não chega a ser questionada. Uma linguagem trazida para o discurso político que ora parece ter origem nos mais altos estudos técnicos (as reformas estruturais, os modelos de desenvolvimento, as posições economicistas...), ora nas mais inopinadas metáforas (o peso do Estado e as suas gorduras, qual suíno). Uma linguagem remissiva, que se autoriza em estudos, pareceres, memorandos, auditorias, relatórios.

Por norma, o recurso a essa linguagem serve apenas um propósito: aparentar um alto nível discursivo e argumentativo, quando na realidade nada se discute e se impede a discussão.

O que se diz na realidade quando, por exemplo, se diz que a justiça precisa de uma reforma estrutural? Se se quer apenas dizer que é preciso corrigir o que está errado, não há quem discorde. Mas porque não se fala então naquilo que está errado? De forma inocente, por desconhecimento. De forma culposa, para esconder o que realmente se pretende dizer e reformar.

Trata-se do esvaziamento das palavras políticas, que infectou conceitos e ideias que julgávamos ter firmes no espírito colectivo. Serviço nacional de saúde universal, ensino básico universal, obrigatório e gratuito. Estado social. Subordinação do poder económico ao poder político democrático. Igualdade. Democracia.

Tudo se transforma, enfim, numa linguagem filibusteira. Atrapalha, cansa, impede a discussão. É preciso recuperar as palavras.

É preciso reencontrar as perguntas certas, as mais simples, ainda que de resposta difícil: são verdadeiros os pressupostos de decisão política? a decisão política é a mais justa?

Afinal, com que armas discutiremos e lutaremos quando esvaziarmos as palavras?

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publicado às 09:14



1 comentário

De António das Neves Castanho a 27.02.2013 às 11:25

Como nos ensina N. Chomsky, combater um adversário ideológico, ou um inimigo político ou cívico, começa por rejeitar a submissão à sua linguagem.

A submissão à linguagem significa a aceitação dos termos e do terreno da luta, que implica uma total incapacidade de poder ter condições de igualdade na batalha.

Dizia o Y. Montand já nos idos de 70 que a atitude mais revolucionária que um homem de Esquerda pode ter é Aprender. E se tivermos em conta que "aprendre", em Francês, também significa ensinar...

Hoje em Portugal a verdadeira luta política e social já não está no Parlamento, mas também não está (ainda?) na rua. Está antes na televisão, primeiro, depois no jornais e, um pouco, na "internet" e na "blogosfera" e é de momento uma luta de linguagem (*).

E sem vencer essa luta, pode ser impossível vencer as subsequentes...

_______________________________________________________

(*) Veja-se como se torna impossível discutir, quando a maior parte das pessoas nem sequer tem dos factos concretos a mesma percepção do que o seu ocasional opositor. Fale-se em dívida externa, em corrupção, em funcionalismo público, em TGV, em PPP's, em Sócrates e em tantas outras palavras-mito e veja-se como de imediato se abre campo livre ao preconceito e à emoção, inviabilizando à partida qualquer hipótese de troca racional de pensamentos. Seja para discordar, seja para concordar - e esta é de momento a maior fragilidade da Esquerda portuguesa! Que pode partir para a manifestação de Sábado como um bloco, mas à menor tentativa de diálogo se partirá em mil pedaços. E quando é assim, a força da rua é um gatinho de papel...

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Filibuster, subs.

1. Utilização de tácticas de obstrução, tais como o uso prolongado da palavra, por membros de uma assembleia legislativa de forma a impedir a adopção de medidas ou a forçar uma decisão, através de meios que não violam tecnicamente os procedimentos devidos;

Filibuster, noun
1. The use of obstructive tactics, such as prolonged speaking, by a member of a legislative assembly to prevent the adoption of measure or to force a decision, in a way that does not technically contravene the required procedures;

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