por David Areias, em 25.02.13
Roubam-me a voz
quando me calo
ou o silêncio
mesmo se falo
Jorge de Sena
Há uma linguagem que nos prende. Aparentemente inteligente e cheia de significado, cujo uso rapidamente se generaliza, não chega a ser questionada. Uma linguagem trazida para o discurso político que ora parece ter origem nos mais altos estudos técnicos (as reformas estruturais, os modelos de desenvolvimento, as posições economicistas...), ora nas mais inopinadas metáforas (o peso do Estado e as suas gorduras, qual suíno). Uma linguagem remissiva, que se autoriza em estudos, pareceres, memorandos, auditorias, relatórios.
Por norma, o recurso a essa linguagem serve apenas um propósito: aparentar um alto nível discursivo e argumentativo, quando na realidade nada se discute e se impede a discussão.
O que se diz na realidade quando, por exemplo, se diz que a justiça precisa de uma reforma estrutural? Se se quer apenas dizer que é preciso corrigir o que está errado, não há quem discorde. Mas porque não se fala então naquilo que está errado? De forma inocente, por desconhecimento. De forma culposa, para esconder o que realmente se pretende dizer e reformar.
Trata-se do esvaziamento das palavras políticas, que infectou conceitos e ideias que julgávamos ter firmes no espírito colectivo. Serviço nacional de saúde universal, ensino básico universal, obrigatório e gratuito. Estado social. Subordinação do poder económico ao poder político democrático. Igualdade. Democracia.
Tudo se transforma, enfim, numa linguagem filibusteira. Atrapalha, cansa, impede a discussão. É preciso recuperar as palavras.
É preciso reencontrar as perguntas certas, as mais simples, ainda que de resposta difícil: são verdadeiros os pressupostos de decisão política? a decisão política é a mais justa?
Afinal, com que armas discutiremos e lutaremos quando esvaziarmos as palavras?
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