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Uma decisão ao contrário

por Pedro Delgado Alves, em 20.06.14

Groucho Marx dizia que a justiça militar estaria para a justiça, como a música militar estava para a música. É uma nota potencialmente injusta quer para a justiça militar, quer para alguma música militar. No entanto, é provocatória o suficiente para ajudar a tentarmos perceber onde enquadrar a justiça interna dos Partidos Políticos – será que também é uma forma de dar música?

 

O debate em que o PS se encontra mergulhado, acabou por enveredar, pelo menos parcialmente, pelo caminho da discussão estatutária, chegando mesmo a proclamar-se que os Estatutos são a Constituição do Partido, e como tal lex suprema, esquecendo, oportunamente ou não, que os Estatutos dos Partidos devem ainda obediência à lei e à Constituição. Sei que estou já a entusiasmar os meus caros leitores com o que aí vem, mas não evito deixar uma tentativa de leitura jurídica alternativa da visão sustentada pela Comissão Nacional de Jurisdição.

 

Perante um requerimento de um quarto dos membros da Comissão Nacional a solicitar uma reunião daquele órgão para convocar um Congresso Extraordinário (nos termos dos Estatutos), a Presidente do Partido solicitou um parecer à Comissão Nacional de Jurisdição, por ter dúvidas quanto a esta possibilidade de realizar um Congresso Extraordinário. A Comissão Nacional de Jurisdição entendeu que um Congresso Extraordinário não pode ser eletivo, nem ser antecedido da eleição direta do Secretário-Geral, uma vez que os mandatos estão em curso e não podem nunca ser interrompidos.

 

Da perspetiva dos subscritores do requerimento, seria inimaginável que um Partido democrático não tivesse mecanismos de decisão democrática que permitissem no decurso do mandato abrir uma discussão em torno da liderança e do rumo do Partido. Nesse sentido, um pedido de convocação de um Congresso extraordinário antecedido de eleições diretas para Secretário-Geral representa o meio normal e tradicional para resolução de situações de divergência política.

 

Aliás, perante críticas apontadas aos novos Estatutos no momento da sua aprovação, sempre foi sublinhado pelo próprio Secretário-Geral e pela direção do Partido que os novos Estatutos não procuravam blindar de forma alguma os órgãos do PS, e que representavam sim um reforço da democracia interna e da capacidade de participação dos militantes. Logo, não passaria pela cabeça de ninguém que tivessem sido limitados os meios habituais de discussão democrática interna. Pretendendo concluir em sentido contrário, a Comissão Nacional de Jurisdição oferece, como veremos, um quadro insuficiente e contraditório de argumentos para o sustentar.

 

Esmiuçando...

Analisado os eixos principais do parecer da Comissão Nacional de Jurisdição, detetam-se diversas leituras parcelares, incompletas e equívocas dos Estatutos, conducentes a uma deliberação inadequadamente fundamentada e contraditória.

 

Esvaziamento da figura estatutária do Congresso Extraordinário

A leitura elaborada pela Comissão Nacional de Jurisdição passa totalmente ao lado de se encontrar prevista nos Estatutos a figura do Congresso Extraordinário, e em particular o facto de o Congresso poder ser pedido potestativamente a requerimento de metade das Federações ou por decisão da Comissão Nacional. Se prevalecesse a leitura da Comissão Nacional de Jurisdição, ficava totalmente esvaziada de utilidade e sentido a figura do Congresso Extraordinário e a possibilidade de uma discussão democrática sobre o futuro do Partido.

 

A decisão é ainda mais grave se tivermos em conta que os mandatos dos órgãos do PS passaram a ter uma duração que pode ir até quatro anos (correspondendo ao ciclo da legislatura), sendo por isso ainda mais importante a possibilidade de mecanismos de fiscalização e de debate político que permitam ao Partido analisar alterações de circunstâncias, questionar as estratégias em curso se estas se revelarem inadequadas, ou responsabilizar democraticamente os seus dirigentes pelas suas ações ou omissões num período tão longo da vida política.

 

Como foi dito, sempre foi sublinhado que os novos Estatutos não procuravam blindar os órgãos do PS e pretendiam sim reforçar a democracia interna. Uma decisão e uma leitura fechada dos Estatutos, como esta, vão em sentido totalmente contrário.

 

 

Determinação, à margem dos Estatutos, da inamovibilidade do Secretário-Geral

Não só em local algum nos Estatutos se consagra a inamovibilidade do Secretário-Geral, como ela não corresponde à tradição do Partido Socialista em momento algum da sua história de 41 anos, como ela não foi em momento algum discutida no processo que levou à aprovação dos novos Estatutos, como deparamos com normas estatuárias que vão precisa e expressamente em sentido contrário.

 

Encontramos normas que permitem ao Partido (seja através da Comissão Nacional, seja através das Comissões Políticas das Federações) convocar um Congresso Extraordinário (n.º 3 do artigo 54.º dos Estatutos em vigor) e que determinam que a eleição do Secretário-Geral se faz em simultâneo com a eleição de delegados (n.º 7 do artigo 53.º dos Estatutos em vigor).

 

Sob pena de tornar inúteis e uma mera previsão sem consequências as normas que ditam a possibilidade de realização de um Congresso Extraordinário (com plenos poderes e com plena capacidade de decidir, democraticamente, o futuro do Partido), não é aceitável a ideia de que o PS ficou desprovido de meios de escrutinar a sua liderança e o seu rumo.

 

Os Partidos têm de ter capacidade de dialogar com a realidade e de, democraticamente, optarem pelo rumo que querem seguir, não podendo ficar irremediavelmente presos a uma definição de estratégias, políticas e lideranças, definidas em contextos que se vão modificando.

Sublinhe-se ainda que sempre se admitiu quer a possibilidade de antecipação da realização de eleições diretas para Secretário-Geral, quer a assunção de poderes eletivos do Secretário-Geral e dos órgãos nacionais pelo Congresso Nacional (artigo 61.º dos anteriores Estatutos). Aliás, previa-se mesmo a necessidade de o Congresso reunir após eleição do Secretário-Geral, caso esta acontecesse antecipadamente (artigo 63.º dos anteriores Estatutos).

 

Inversão da leitura correta do Princípio Democrático

A Comissão Nacional de Jurisdição invoca a Lei dos Partidos Políticos e a Constituição para demonstrar que os Partidos têm de se submeter a regras de organização democráticas. No entanto, parece fazê-lo sem interiorizar o que esses textos exigem em termos de democracia interna: têm de existir meios para fiscalizar democraticamente o poder e debater internamente o futuro da organização política. A democracia não é uma palavra que se repete acriticamente e sem sentido, ela tem antes um conteúdo preciso e sólido, que não dispensa a possibilidade de recorrer a um processo eleitoral para ultrapassagem de controvérsias.

 

Contraditoriamente, ao sublinhar a importância do facto de a lei dos Partidos determinar que “a destituição só pode ocorrer nas condições e nas formas previstas nos Estatutos” a Comissão Nacional de Jurisdição ignora olimpicamente dois factos essenciais:

 

a)      Os Estatutos do PS já têm um mecanismo previsto para a convocação de Congresso Extraordinário, como já vimos, e que é o que os requerentes pretendem ativar;

 

b)      É a própria lei que determina que, para ser fiel ao princípio democrático, os Partidos têm de prever mecanismos de antecipação de atos eleitorais e de redefinição do seu rumo político e da sua liderança. Pretender sustentar que o PS tem uns estatutos em que o seu Secretário-Geral é inamovível é que pode constituir uma flagrante violação do princípio democrático, incompatível com a lei e com a Constituição, nunca a vontade de recorrer a esses precisos meios.

 

Nesta linha, a Comissão Nacional de Jurisdição parece chegar mesmo a sustentar que a realização de um ato eleitoral, nos termos previstos nos Estatutos através da figura do Congresso antecipado… violaria o princípio democrático. Salvo melhor opinião, parece claro que é a impossibilidade de realização de um ato eleitoral previsto nos Estatutos e exigido pela Lei dos Partidos que coloca em crise a Democracia interna, e não o contrário.

 

 

Concluindo...

Em suma, a prevalecer esta leitura dos Estatutos por parte da Comissão Nacional de Jurisdição de que vamos tendo eco, assente numa fundamentação tendenciosa e numa leitura jurídica frágil e contraditória com o teor dos Estatutos, o quadro histórico do PS e a própria Constituição e a lei, o Partido Socialista ficaria numa situação insustentável no quadro da sua democracia interna, confrontado com um Estatutos blindados, com o bloquear da discussão política e com a marginalização da vontade dos militantes.

 

Não é esta a tradição, nem a história do PS, não foi isto que foi apresentado como o objetivo da reforma estatutária em 2012 e não é esta uma solução conforme às exigências que a lei e a Constituição fazem à organização interna dos partidos. Torna-se, pois, impossível concordar com a leitura da CNJ: é contrária à matriz de liberdade e democracia do PS e é juridicamente insustentável. 

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publicado às 01:39

Em terras de Espanha

por Pedro Delgado Alves, em 19.06.14

 

Republicano de sempre, preferia que se hasteasse a tricolor no país vizinho. Não é uma evidência que os Espanhóis o queiram - a monarquia assumiu-se como restauradora da Democracia e colocou-se, por isso, como parte integrante do compromisso constitucional de 1978.

 

Na partida de Juan Carlos, contudo, a dívida que lhe é reconhecida na transição para a Democracia e na estabilização do País depois de décadas de Ditadura permite recordar, a título de legado, a máxima de que mais do que monárquicos, os Espanhóis seriam juancarlistas. Os últimos tempos abalaram esta adesão generalizada e praticamente consensual, mas não chegam para beliscar o reconhecimento do seu papel histórico fundamental no desenho da Espanha moderna e democrática. 

 

Daí que as dúvidas mais pertinentesdo momento sejam as que se prendem com o novo rei, Filipe VI. Alguns sinais simbólicos são interessantes, desde a não utilização do título de "Rei Católico", passando pela recusa de missa de entronização, afirmando alguma laicização da função real, até aos piscares de olhos muito discretos a uma Espanha plurinacional no discurso da proclamação, rematado com um um agradecimento em quatro línguas, castelhano, catalão, basco e galego. Será o suficiente para enraizar a instituição? Há hoje um sentimento republicano crescente que as crises económicas e de credibilidade do sistema político ajudam a alimentar, mas ainda é cedo para qualquer balanço. Para já, Filipe VI goza de um estado de graça que pode gerir em defesa de uma pacificação da instituição monárquica com os cidadãos.  

 

Já agora, e assumindo a fama de nerd, é de assinalar, arregimentanto uma lista de curiosidades históricas, que, ainda que motivada por uma abdicação (provavlmente o caminho do futuro para as monarquias europeias, sendo esta já a terceira num só ano) esta foi a primeira sucessão pacífica por terras de Espanha desde a morte de Carlos III em 1788, revelando que a ideia de estabilidade associada às monarquias não é tão certeira quanto isso. Senão vejamos: 

 

- Em 1808, Carlos IV seria forçado por Napoleão a abdicar no seu filho, Fernando VII, que depois abdicou em Napoleão, que depois cedeu a coroa ao seu irmão mais velho, José - animadíssimo; 

 

- José Bonaparte seria expulso pelos exércitos aliados no final da Guerra Peninsular, em 1813, restaurando-se por essa via Fernando VII;

 

- Isabel II sucederia ao seu pai em 1833, num quadro de guerra civil, contestada pelo partido Carlista que recusava a possibilidade de sucessão feminina admitida por Fernando VII. Mais tarde, Isabel viria a ter de exilar-se em Paris, em 1868, abdicando dois anos depois; 

 

- Amadeu de Sabóia, eleito pelas cortes para suceder a Isabel, pouco mais de dois anos se aguentou, dando lugar à I República espanhola em 1873; 

 

- Restaurada a monarquia no final da primeira experiência republicana, com Afonso XII, e apesar de alguma estabilização, o próprio processo sucessório desencadado pela sua morte precoce trouxe a peculiaridade associada às monarquias e a sucessão dinástica, tendo em conta que o falecimento do rei ocorreu ainda no decurso da gravidez da rainha consorte. Uma vez que o sexo da criança determinaria quem herdaria a coroa, foi necessário um curto interegno de alguns meses, tendo Afonso XIII vindo ao mundo já diretamente como rei de Espanha;

 

- Afonso XIII, por seu turno, caíria em 1931, abrindo caminho à II República, sendo que o final da guerra civil, apesar de o franquismo recuperar a forma monárquica, não trouxe de volta um monarca ao trono de Espanha senão após a morte de Franco, em 1975. 

 

A ver vamos... 

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publicado às 19:56

Parabéns

por Pedro Delgado Alves, em 19.06.14

 

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publicado às 01:44

E sai mais um

por Pedro Delgado Alves, em 18.06.14
O Luxemburgo tornou-se o 17.º Estado soberano a consagrar o casamento entre pessoas do mesmo sexo (para além de inúmeros Estados norte-americanos e mexicanos que já o fazem também). Mais um avanço, mais um passo, mais uma vitória da igualdade. 

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publicado às 19:51

LEITURAS

por David Areias, em 15.06.14

Almeida Faria
A Paixão
(1. Edição de 1965)
Assírio & Alvim, 2013

"Mães de sexta-feira; não Estela, a criada de dentro, desapossada do núcleo do seu povo, proletariado miserável, sem força, pois lha tiram pela dispersão, cada um para seu lado, os filhos vagueando ao sabor de potências distantes, destrutoras, invisíveis, infrenes, de patrões, empresários, serviço militar, o pai entregue a uma luta algures noutra província, por um naco de terra que não dá para ganhar mas que serve para ir sempre arrastando a mesma iniquidade, terra de pouco pão e sem mulher, sem água que lhe limpe o suor pela noite, junto ao calor do fogo, quando a mulher está longe como um astro, uma estrela, Estela, mãe sem família servindo outra família, avançando ao longo dos anos pelos quartos da casa que lhe não pertence e que não ama, serve, Estela, mulher sem casa, não mãe autêntica"

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publicado às 13:47





Filibuster, subs.

1. Utilização de tácticas de obstrução, tais como o uso prolongado da palavra, por membros de uma assembleia legislativa de forma a impedir a adopção de medidas ou a forçar uma decisão, através de meios que não violam tecnicamente os procedimentos devidos;

Filibuster, noun
1. The use of obstructive tactics, such as prolonged speaking, by a member of a legislative assembly to prevent the adoption of measure or to force a decision, in a way that does not technically contravene the required procedures;

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