por David Areias, em 31.07.13

Nuno Júdice
A Implosão
Dom Quixote, 2013
"Era nisto que a nova Europa se estava a tornar: os guetos eram os países sob confisco, em cada um deles tinham arranjado governos dóceis que cumpriam as ordens que vinham dos centros de decisão. Não chegáramos à perfeição desses guetos, ao encerramento dos países dentro de muros de onde ninguém podia sair nem entrar; mas era uma questão de tempo, pensava eu, enquanto ia passando por criaturas deitadas debaixo de portas, enroladas em mantas, alguns deles com um rádio ligado, sinal de que não se tratava já dos tradicionais pobres, os que vinham do nada e só tinham o nada para onde ir; estes vinham de meios em que havia o hábito de ouvir rádio, de ver televisão, só que não tinham outra hipótese senão adormecer na rua, com uma estação de música clássica a dar-lhes com o 'Hino à alegria' em cima, para que eles agradecessem à Mãe Europa por essa dádiva do céu; ou então a alternativa que tinham, se não tivessem umas moedas para se sentarem num café, era esperar que nalguma montra estivesse um televisor ligado e ficar em frente, a ver o que se passava no ecrã, mas sem o som que o vidro abafava. Assim, ao menos não tinham de ouvir as notícias, de estar a par da queda de um mundo, que era o que estava a acontecer à vista de todos."
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