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Apesar de aparentar ter sido tirado pela maioria mínima, com diversos votos de vencido, evidenciando uma divisão na leitura da lei das 40 horas na função pública, o acórdão do Tribunal Constitucional há pouco conhecido decidiu de forma bastante consistente não declarar a inconstitucionalidade da alteração da lei. No entanto, e não tendo ainda lido o acórdão com toda a atenção que gostaria e que merece, parece dele resultar que a questão do aumento para as 40 horas não foi a fonte principal da divisão de posições, residindo esta antes na possibilidade de derrogação daquele valor por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho.
A decisão acaba por aceitar a não inconstitucionalidade do novo regime através de uma interpretação confome à Constituição de uma das normas em análise (o artigo 10.º), expressamente admitindo que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho posteriores à lei possam alterar (reduzindo) a duração de trabalho, aspeto esse que terá sido determinante para o voto de vários juízes. ("Trata-se de uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos estes trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente, se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de atividade e pelos modos previstos nos regimes próprios aplicáveis, sejam consideradas convenientes").
Indo ao fundo da questão, as 40 horas propriamente ditas, não consigo acompanhar o juízo do Tribunal, sendo com estranheza confessa que leio as passagens seguintes:
"De acordo com esta linha de avaliação, o aumento agora introduzido, na medida em que contraria a normalidade anteriormente estabelecida pela atuação dos poderes públicos nesta matéria, frustra expectativas bem fundamentadas. E trata-se de um aumento relevante, passível de gerar ou acentuar dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de necessidades dos cidadãos, nomeadamente, a conjugação lograda entre a vida privada e familiar e a vida laboral, ou o exercício de direitos fundamentais como a cultura, a liberdade de aprender e ensinar ou o livre desenvolvimento da personalidade.
Todavia, e em sentido inverso, pode, desde logo argumentar-se que a tutela constitucional da confiança, por sua natureza, não pode ser considerada entrave a qualquer alteração legislativa passível de frustrar expectativas legítimas e fundamentadas dos cidadãos. De facto, só poderá utilizar-se a ideia de proteção da confiança como parâmetro constitucional nas situações em que a sua violação contraria a própria ideia de Estado de Direito, de que aquela constitui um corolário.
Ora, no presente caso, deve ter-se em consideração que a tendência para a laboralização do regime dos trabalhadores da Administração Pública, fortemente acentuada, a partir de 2008, com a adoção, como regime-regra, do contrato de trabalho em funções públicas (disciplinado por um diploma – o RCTFP – próximo do Contrato de Trabalho), permite afirmar que não seria totalmente imprevisível uma alteração como a ora em causa do período normal de trabalho."
Por outras palavras, envereda-se por um raciocínio que sustenta que, desde 2008, a proteção da confiança em matéria de regime laboral na função pública se vem submetendo a um processo de erosão das expectativas, que admite uma modificação substancial de relações laborais com décadas. Salvo melhor opinião, sendo inegável que a tutela da confiança não é impeditiva da mutabilidade natural da ordem jurídica, como o acórdão corretamente sublinha, a essencialidade dos elementos da relação jurídica laboral afetados por esta alteração legislativa deveria ter uma outra ponderação, não se tratando de uma alteração de somenos.
Independentemente da minha ou de outras opiniões sobre a matéria (que continuarão o debate no plano científico e junto dos agentes do sistema jurídico), aquela que conta no plano institucional, a do órgão jurisdicional com competência para se pronunciar em matéria de constitucionalidade, essa está tomada. Por muito que dela discorde, não me passa pela cabeça fazer dos juízes do Tribunal Constitucional as cabeças de uma hidra que vai destruir o País, na linha de quem lhe quer assacar todos os males que nos afligem.
E, repare-se, que esta foi a primeira vez que o Governo teve boas notícias do Palácio Ratton. Sim, foi a primeira vez em dois anos e meio que uma lei objeto de fiscalização abstrata preventiva ou sucessiva, proveniente da pena deste duo Governo/maioria parlamentar, em dez (10) pedidos, não foi considerada inconstitucional. Haviam de lhe apanhar o jeito...
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