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LEI DOS DESPEJOS - I

por Filipe Bacelar, em 01.03.13

O Governo criou uma narrativa que genericamente está correcta. Reconhece a existência de um problema, reconhece a existência de direitos conflituantes e da necessidade de se proceder a um reequilíbrio na relação entre senhorios e inquilinos, propõe uma indemnização para os inquilinos que não conseguirem chegar a acordo com o senhorio quanto a um valor futuro de renda e identifica os grupos que carecem de uma tutela reforçada - As famílias mais carenciadas, os portadores de deficiência, e os mais idosos.

 

Sucede que inexiste qualquer correspondência entre o discurso e a letra da lei. Esta lei encerra um conjunto de aparências, equívocos, alçapões, moscambilhas ou de, resumindo numa palavra que o Governo conhece, malabarices.

 

Senão vejamos:

 

1.ª malabarice - Procurar critérios distintos dos previstos na restante legislação de forma a elidir os mecanismos de protecção constantes na lei.

 

Desde logo, o Governo, ao arrepio do que sucede noutras matérias, optou por proteger os arrendatários com deficiência com grau superior a 60%. A título de exemplo, em sede de I.R.S. essa protecção é conferida a quem possua um grau de deficiência igual ou superior a 60%.

 

Estando em questão aspectos dificilmente mensuráveis, não se percebe esta falta de vontade em harmonizar os regimes senão por uma sofreguidão irresponsável de restringir para lá do entendível o universo dos beneficários dos mecanismos de protecção previstos.

 

2.ª malabarice - O critério utilizado varia consoante se trate de proteger o inquilino ou o senhorio.

 

Ora, para efeitos de protecção em função da idade ou do grau de de incapacidade, a lei vai sempre buscar o arrendatário. Contudo, para efeitos de protecção em função dos rendimentos a lei segue os rendimentos auferidos pelo agregado familiar.

 

Mais uma vez aqui fica expressa a vontade do Governo em restringir o acesso a qualquer mecanismo de apoio na lei contemplado. 

 

Esta opção legislativa gera situações profundamente injustas no plano material. O que o Governo nos transmite com esta solução é que um arrendatário de 65 anos que seja solteiro e viva sozinho fica protegido. Mas um arrendatário com 64 anos, casado, com um conjuge de 70 anos, com um ascendente e dois descendentes a cargo, já não é merecedor de qualquer tipo de protecção especial.

 

3.ª malabarice - Criar um regime regra, no que respeita as indemnizações, de aplicação inexistente.

 

O Governo, durante todo este tempo, tem-nos vendido a ideia de uma indemnização ao inquilino sempre que as negociações se frustrem.

 

É mentira! Não há qualquer indemnização!

 

O que existe é uma opção conferida ao senhorio entre indemnizar ou fixar administrativamente a renda em 1/15 do Valor Patrimonial Tributário (VPT).

 

Vou repetir, aquilo que a lei confere é a possibilidade de o senhorio escolher entre pagar uma indemnização ao inquilino ou receber anualmente 6,67% do valor do imóvel.

 

Mas alguém tem dúvidas de qual a opção entre levar uma paulada ou receber um prémio?

 

4.ª malabarice - O Governo achou por bem, num quadro de direitos conflituantes, e quando chamado a dirimir o conflito através de uma actualização administrativa do valor da renda, fixá-la em 1/15 do VPT.

 

1/15 do VPT, como referi, corresponde a um rendimento anual de 6,67%.

 

Para se ter uma ideia da obscenidade deste valor, o que o Governo propõe é que o inquilino pague em menos de 15 anos o valor total do imóvel, quando uma casa se compra a 30/40 anos recorrendo a um mútuo bancário.

 

Numa outra perspectiva, se se tratasse de um produto financeiro, o que o Governo estabelece como valor "justo" de rendimento são 6,67% por ano, sem risco.

 

Estabelecer um valor de renda nestes termos, sem nunca justificar como lá chegou, é um disparate sem nome.

 

O que nos leva à 5.ª malabarice - A protecção conferida aos arrendatários com mais de 65 anos ou com deficiência com grau de incapacidade superior a 60% é um logro.

 

Ela na realidade não existe, o que existe é uma remissão para o regime dos agregados carenciados, desde que essa carência também se verifique.

 

Por outras palavras, o valor actualizado da renda de alguém com 30 ou com 65 anos é o mesmo. É o da fixação administrativa!

 

A narrativa do Governo, que até enganou os jornais, como é exemplo a notícia infra, de que os  "idosos escapam ao despejo" não é verdadeira.

 

Por uma razão simples, eles não vão conseguir pagar 1/15 do VPT. Serão forçados a abandonar o locado, por sua iniciativa, e sem indemnização.

 

   

 

 

 

6.ª malabarice - O diploma trata todos os inquilinos de forma cega e como se fossem uma espécie de servos da gleba, ligados à terra, mas sem quaisquer direitos sobre ela, senão o de pagar. Certo, é-lhes conferida uma alternativa, também podem ir embora.

 

A lei das rendas, perdão...dos despejos, trata da mesma forma o inquilino diligente que ao longo dos anos foi fazendo obras no locado, incluíndo as com autorização do senhorio, a suas expensas, e por lhe ter sido reconhecido o direito de ali ficar durante o seu período de vida, como trata o inquilino que nunca procedeu a qualquer benfeitoria no locado.

 

Entretanto a lei muda, e o Governo, diligente a criar um Balcão Nacional do Arrendamento, perdão...do Despejo, para se certificar que as pessoas são rapidamente postas para fora, não atribui competência a esse Balcão no que toca as benfeitorias devidas.

 

Nem sequer submete como condição, para o inquilino deixar o locado, que o pagamento dessas benfeitorias lhe seja efectuado.

 

Para uns agilidade de processos e celeridade total na obtenção de título executivo...para os outros o estrito cumprimento da lei e a consequente morosidade que acompanha o processo declarativo ordinário.

 

 

P.S: malabarice -  conceito de que "Ele [Passos Coelho] é o padrasto, o conceito certamente é filho de malabarismo e aldrabice."

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publicado às 16:50



2 comentários

De Joao a 01.03.2013 às 17:40

Muito boa tarde

Achei o seu texto bastante interessante. Não percebo nada de leis, mas o que me parece é que o seu texto mostra alguma indignação pelo facto de o Estado ter acabado com um esquema profundamente injusto para a generalidade dos proprietários.

Como podemos justificar que existam pessoas que paguem valores ridículos por rendas de imóveis? Por dificuldade de rendimentos? Então mas é o proprietário que se tem de substituir à Segurança Social? Onde está aqui a justiça?

Sei que um dos principais custos da generalidade das famílias é o custo com as habitações. As pessoas no início de vida têm de suportar este custo, que chega a representar mais de metade do rendimento da família, em muitos casos. Como justificar, então, que existam famílias que vivam à custa dos senhorios?

E onde está a justiça de um contrato que é eterno, não o sendo apenas por voltado do inquilino? Isto faz algum sentido? Porque motivo é que as rendas não sobem e o senhorio tem de gramar com o inquilino indefinidamente?

Compreendo o que diz relativamente à lei dos despejos. Mas compreenda também que possivelmente estes contratos são os únicos que não se podiam quebrar, mesmo com uma compensação.

Uma taxa de retorno Bruto inferior a 7% que se reduz de forma significativa ao considerarmos os valores dos condomínios, das obras, dos seguros e impostos extravagantes... acha que é uma taxa razoável?

São apenas algumas opiniões, que carecem de qualquer conhecimento legal. Apenas opiniões de quem vê uma lei bastante injusta que felizmente foi alterada.

De Filipe Bacelar a 03.03.2013 às 01:18

Caro João

Antes de mais agradeço o seu comentário.

Compreendeu-me bem quando diz que o meu texto revela indignação,

Compreendeu-me menos bem quando refere que a minha indignação se deve ao facto de a lei ter sido alterada.

O motivo da minha indignação é pela opção do legislador que, ainda que resolvendo o problema existente, optou por criar um outro em contradição com o próprio ideário apresentado.

Alteração da lei, sim; esta alteração da lei, não.

Será revelar demasida ambição aspirar a uma intervenção legislativa equilibrada que acautele os direitos em confronto?

Obrigado.

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Filibuster, subs.

1. Utilização de tácticas de obstrução, tais como o uso prolongado da palavra, por membros de uma assembleia legislativa de forma a impedir a adopção de medidas ou a forçar uma decisão, através de meios que não violam tecnicamente os procedimentos devidos;

Filibuster, noun
1. The use of obstructive tactics, such as prolonged speaking, by a member of a legislative assembly to prevent the adoption of measure or to force a decision, in a way that does not technically contravene the required procedures;

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