por David Areias, em 15.06.14
Almeida Faria
A Paixão
(1. Edição de 1965)
Assírio & Alvim, 2013
"Mães de sexta-feira; não Estela, a criada de dentro, desapossada do núcleo do seu povo, proletariado miserável, sem força, pois lha tiram pela dispersão, cada um para seu lado, os filhos vagueando ao sabor de potências distantes, destrutoras, invisíveis, infrenes, de patrões, empresários, serviço militar, o pai entregue a uma luta algures noutra província, por um naco de terra que não dá para ganhar mas que serve para ir sempre arrastando a mesma iniquidade, terra de pouco pão e sem mulher, sem água que lhe limpe o suor pela noite, junto ao calor do fogo, quando a mulher está longe como um astro, uma estrela, Estela, mãe sem família servindo outra família, avançando ao longo dos anos pelos quartos da casa que lhe não pertence e que não ama, serve, Estela, mulher sem casa, não mãe autêntica"
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por David Areias, em 15.03.14
Almeida Faria
Rumor Branco
(1. Edição de 1962)
Assírio & Alvim, 2012
"bairro de barracas de lata sobre o rio que corre ali perto, Tejo. em baixo hortas e sebes. dormiam os cinco filhos com os pais numa das divisões, havendo outra com serventia de cozinha, onde comiam, à noite o pai chegou cambaleante. a mãe, vestindo trapos que não lhe aqueciam as ressequidas carnes, aguardava ao canto da chaminé cosendo meias velhas. ao ouvir os passos do marido abrindo bêbado como sempre a pequena cancela do quintal, levantou-se e foi esperá-lo. só a força da fome lhe dá ainda forma de assim se endireitar, tão agressiva, tão firmes na cintura as mãos pacíficas: badameco, desgraçado, farrapo miserável, cara de carago, mal te aguentas no badalo, fizeste-me seis filhos e agora que me amole.
(...)
viram como se pode e deve escrever uma história portuguesa com certeza, com certeza uma história portuguesa? e houve talvez quem chorasse ao lê-la, sobretudo as senhoras burguesas que, como se sabe, têm bons sentimentos."
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