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Ando para escrever sobre Hugo Chávez há mais de uma semana, no entanto, a complexidade da figura e os juízos contraditórios que convoca desde o início me tinham dado bons indicadores de que ensaiar um balanço, ainda para mais a quente, seria uma empreitada particularmente difícil. Neste contexto, não só os dias que se seguiram à morte e as cerimónias fúnebres permitiram uma recolha de elementos que a memória vai arrumando remotamente, como muito do que se escreveu revelando um anti-chavismo militante e uma visão a preto e branco ajudaram a não abandonar o projecto.
Se são relativamente raras entre nós as saudações entusiásticas e os textos hagiográficos, já a linha demonizante tem feito escola de forma muito intensa. A prosa de Alberto Gonçalves no DN é provavelmene a mais arrojada, ensaiando a reductio ad hitlerorum logo no início, para depois ignorar olimpicamente tudo o que pudesse revelar opções políticas benéficas para os venezuelanos: para si, Chávez foi uma mistura de um tonto com leituras incompletas com um caudilho perigoso e pouco mais. Um passagem de olhos pelas página que o Expresso deste fim-de-semana dedicou ao tema teria ajudado a elaborar um juízo mais sério. Senão vejamos, o antes e o depois de Chávez, a Venezuela de 1999 e a de 2013:
O PIB per capita venezuelano em 1999 era de 3.150 euros. É hoje de 8.300.
A taxa de desemprego recuou de 14,9% para 6,5%.
A inflação desceu de 30,1% para 20,1%.
A dívida pública caiu de 56,4% para 29%.
A pobreza extrema baixou de 21,7% para 10,7%.
A mortalidade infantil passou de 20,06‰ para 14,78‰
A taxa de analfabetismo caiu de 20% para 4,9%
É inegável que a alta dos preços do petróleo contribuiu e muito para os dados positivos que aqui se encontram expressos (os mesmos dados são reveladores de uma subida de mais de 12 mil milhões de euros em exportações de petróleo para mais de 53 mil milhões). É também inegável que a actual situação económica da Venezuela é particularmente complicada e que o período das vacas gordas já se foi. Pensar, contudo, que qualquer abordagem na gestão dos dividendos do petróleo que não fosse a mesma da Noruega, representa necessariamente um esbanjar de recursos, é obstinadamente fingir que a Venezuela é um país nórdico com um modelo de social-democracia promotor até aí da igualdade de oportunidades e que estava no bom caminho do progresso.
Através destas considerações não pretendo elevar Chávez ao panteão dos modelos políticos incontestáveis, longe disso. Os seus críticos apontam várias falhas, em que têm toda a razão, desde a crescente criminalidade violenta e corrupção entre os próximos do poder, passando pelas companhias internacionais pouco recomendáveis (com destaque para Ahmadinejad), pelo antiamericanismo primário e o antisemitismo semi-envergonhado, pelas bravatas militares que por vezes criavam instabilidade regional com os vizinhos, culminando na comunicação populista de tele-evangelista do socialismo caudilheiro, razando o culto de personalidade e hoje traduzida na decisão de deixar em exposição eterna o corpo embalsamado do Comandante.
De facto, o legado contraditório destes 14 anos talvez se ilustre de forma mais evidente no plano da qualidade da democracia. A Venezuela é hoje um País polarizado, e Chávez não deixa grande manobra para juízos inconclusivos ou compromissórios - ama-se ou odeia-se. De homem criticado permanentemente pelo seu arranque político com um golpe de estado, Chávez viria a ser o Chefe de Estado democraticamente eleito que sobreviveu a um golpe de Estado. Apesar das variadas queixas da oposição em matéria de respeito pelos seus direitos e de garantia do pluralismo (em particular quanto aos media), Chávez foi eleito e reeleito para todos os seus mandatos, em eleições observadas internacionalmente (o Carter Center chegou mesmo a elogiar a qualidade dos procedimentos), num quadro de aumento do número de recenseados, em que nunca a oposição clamou por fraude. Aliás, quando perdeu o referendo para a reforma constitucional, o próprio Chávez fez precisamente o mesmo, reconhecendo a derrota, sem mais, vergando-se à vontade dos venezuelanos.
Chávez era simultaneamente o homem reeleito nas urnas com um programa claro de profunda transformação social e combate à pobreza e o candidato a profeta e caudilho do novo socialismo bolivariano. Nem os seus mais acérrimos críticos, nem os mais devotos seguidores podem deixar de reconhecer que só o carisma de Chávez e essa mistura complexa permitiram assegurar a sobrevivência da Revolução Bolivariana. Para uns, ficará a sombra de quem foi sendo capaz de vencer todas as adversidades políticas durante 14 anos e nunca perder para visões alternativas, para os outros, um imenso vazio, que nem o travestimento do seu velório num comício pré-eleitoral de vários dias conseguirá preencher...
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