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O meu artigo no Expresso do dia 8 de junho:
No seu último texto de opinião no Expresso, Miguel Sousa Tavares sublinhou, com toda a razão, a importância em assegurar que a discussão em torno da co-adoção por casais do mesmo sexo seja conduzida com seriedade.
E se este debate tem sido marcado por intervenções de juristas e de defensores e opositores da alteração da lei, é fundamental que a passagem à discussão na especialidade na Assembleia da República permita convocar também o contributo de outras áreas científicas e os depoimentos de quem durante anos tem colocado o interesse das crianças no centro da sua atividade profissional.
Felizmente, o contexto no qual vamos aprofundar o tema conta com a existência de mais de duas décadas de resultados de investigação científica e de posições públicas de associações profissionais, em vários países. É hoje cada vez mais claro que o consenso científico se constrói em torno de uma ideia chave, a de que o desenvolvimento das crianças educadas numa família homoparental não é diferente daquele que ocorre no quadro de um casal de sexo diferente.
Citando algumas das mais representativas tomadas de posição neste sentido, assentes em estudos científicos credíveis e sujeitos a peer review, deparamo-nos com uma lista que inclui as associações americanas de Psicanálise (em 2002), de Psiquiatria (em 2002), de Psicologia (em 2004), de Psiquiatria Infantil e Adolescente (em 2008), bem como a própria Associação Médica Americana (2004). Mais recentemente, em 2013, a Academia Americana de Pediatria sublinhou que é precisamente a ausência de protecção jurídica da criança que representa um risco acrescido para o seu desenvolvimento.
Devemos ainda ter em conta que, longe de se tratar de uma realidade assente apenas no estudo de um contexto social e cultural distinto do nosso, são já vários os trabalhos de investigação realizados em Portugal (nas Universidades do Minho ou do Porto ou no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, por exemplo), que vão chegando às mesmas conclusões e oferecem dados reais sobre famílias portuguesas, que não podem ser ignorados.
Este debate, em torno do alargamento de um instituto de direito civil que visa acautelar o superior interesse da criança, não é distinto daquele que, em inúmeras ordens jurídicas, em vários pontos do mundo, concluiu pela vantagem em assegurar a adoção plena por casais do mesmo sexo (em número superior, aliás, aos que permitem o seu casamento), ou que, pelo menos, permitiu concluir que a co-adoção é uma solução valiosa para proteção dos menores.
Finalmente, regressando ao jurídico, o debate em curso corresponde ao debate, sério e bem fundamentado, que levou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos a condenar a Áustria, já em 2013, por não assegurar a possibilidade de co-adoção, considerada necessária por aquele tribunal para garantir a proteção jurídica plena das crianças que hoje já são criadas por casais do mesmo sexo.
O meu artigo no I da semana passada, na véspera da aprovação na generalidade da co-adopção por casais do mesmo sexo:
Na sequência dos significativos avanços realizados em Portugal em torno da eliminação da discriminação em função da orientação sexual, e encontrando-se uma vez mais na agenda a possibilidade de adopção por casais do mesmo sexo, importa sublinhar alguns aspectos centrais para enformar o debate.
Em primeira linha, são hoje já mais do que sólidas as conclusões dos estudos realizados em vários pontos do Mundo, em contexto académico e das associações e organizações profissionais que se dedicam à matéria, e que afastam de forma inequívoca os receios que algumas pessoas manifestam quanto ao desenvolvimento da personalidade das crianças educadas por casais do mesmo sexo. Mais do que apenas afastar os receios, o consenso vai-se construindo no sentido de se afirmar que o reconhecimento legal dos vínculos entre pais e mães e os seus filhos e filhas é essencial para o bem-estar das crianças. Veja-se, a título de exemplo, a recente tomada de posição da Associação Americana de Pediatria sobre a matéria.
Por outro lado, ao contrário daquela que é a percepção dominante, são hoje mais os Estados que permitem a adopção por casais do mesmo sexo do que aqueles que consagraram a igualdade no acesso ao casamento. Para além disso, os Estados que recentemente têm alterado a sua legislação têm assegurado simultaneamente o acesso ao casamento e à adopção: assim foi, por exemplo, em França e na Nova Zelândia, já em 2013. Neste quadro, Portugal é o único país que, tendo consagrado o acesso ao casamento civil, mantém vedado o acesso à adopção por casais do mesmo sexo.
Idealmente, a solução para as múltiplas questões colocadas sobre o acesso à parentalidade e sobre a protecção de todas as famílias, as existentes e as que vierem a nascer, resolver-se-iam com recurso à eliminação das barreiras legais à adopção. Contudo, caso não seja ainda possível dar esse passo, por força da configuração das maiorias parlamentares, a urgência dos problemas dramáticos que se colocam hoje às famílias existentes não permite que o legislador permaneça insensível ao problema.
São muitas e reais as famílias em que, apesar de apenas um dos pais ou mães manter um vínculo jurídico com a criança, na realidade, ambos ou ambas são tão pai ou tão mãe de facto, sendo aquela única realidade familiar conhecida e com a qual o menor lida com toda a naturalidade. Quer no que respeita à relação quotidiana com a escola ou com o SNS, quer no caso imprevisto e infeliz de uma incapacidade ou um falecimento privarem a criança do pai ou mãe com vínculo legal, a ordem jurídica não pode ignorar as crianças que já vivem os seus dias em famílias homoparentais.
Cumpre igualmente recordar que a manutenção de uma situação como a que temos em Portugal foi clara e recentemente recusada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que condenou a Áustria por violação da Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ao não prever a possibilidade de co-adopção, fragilizando de forma discriminatória a protecção dos interesse das crianças.
É neste quadro que a possibilidade de co-adopção do filho ou filha do cônjuge ou do unido de facto se revela imperativa, em nome da segurança de que todas as crianças devem beneficiar através de um vínculo jurídico com ambos os pais ou mães, e em nome da protecção de todas as famílias. Ainda que o debate mais amplo sobre a parentalidade deva e possa prosseguir, devemos agir prioritariamente na protecção das famílias existentes, dotando-as de meios de realização da sua felicidade, e colocando o bem-estar das crianças na linha da frente.
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