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Republicano de sempre, preferia que se hasteasse a tricolor no país vizinho. Não é uma evidência que os Espanhóis o queiram - a monarquia assumiu-se como restauradora da Democracia e colocou-se, por isso, como parte integrante do compromisso constitucional de 1978.
Na partida de Juan Carlos, contudo, a dívida que lhe é reconhecida na transição para a Democracia e na estabilização do País depois de décadas de Ditadura permite recordar, a título de legado, a máxima de que mais do que monárquicos, os Espanhóis seriam juancarlistas. Os últimos tempos abalaram esta adesão generalizada e praticamente consensual, mas não chegam para beliscar o reconhecimento do seu papel histórico fundamental no desenho da Espanha moderna e democrática.
Daí que as dúvidas mais pertinentesdo momento sejam as que se prendem com o novo rei, Filipe VI. Alguns sinais simbólicos são interessantes, desde a não utilização do título de "Rei Católico", passando pela recusa de missa de entronização, afirmando alguma laicização da função real, até aos piscares de olhos muito discretos a uma Espanha plurinacional no discurso da proclamação, rematado com um um agradecimento em quatro línguas, castelhano, catalão, basco e galego. Será o suficiente para enraizar a instituição? Há hoje um sentimento republicano crescente que as crises económicas e de credibilidade do sistema político ajudam a alimentar, mas ainda é cedo para qualquer balanço. Para já, Filipe VI goza de um estado de graça que pode gerir em defesa de uma pacificação da instituição monárquica com os cidadãos.
Já agora, e assumindo a fama de nerd, é de assinalar, arregimentanto uma lista de curiosidades históricas, que, ainda que motivada por uma abdicação (provavlmente o caminho do futuro para as monarquias europeias, sendo esta já a terceira num só ano) esta foi a primeira sucessão pacífica por terras de Espanha desde a morte de Carlos III em 1788, revelando que a ideia de estabilidade associada às monarquias não é tão certeira quanto isso. Senão vejamos:
- Em 1808, Carlos IV seria forçado por Napoleão a abdicar no seu filho, Fernando VII, que depois abdicou em Napoleão, que depois cedeu a coroa ao seu irmão mais velho, José - animadíssimo;
- José Bonaparte seria expulso pelos exércitos aliados no final da Guerra Peninsular, em 1813, restaurando-se por essa via Fernando VII;
- Isabel II sucederia ao seu pai em 1833, num quadro de guerra civil, contestada pelo partido Carlista que recusava a possibilidade de sucessão feminina admitida por Fernando VII. Mais tarde, Isabel viria a ter de exilar-se em Paris, em 1868, abdicando dois anos depois;
- Amadeu de Sabóia, eleito pelas cortes para suceder a Isabel, pouco mais de dois anos se aguentou, dando lugar à I República espanhola em 1873;
- Restaurada a monarquia no final da primeira experiência republicana, com Afonso XII, e apesar de alguma estabilização, o próprio processo sucessório desencadado pela sua morte precoce trouxe a peculiaridade associada às monarquias e a sucessão dinástica, tendo em conta que o falecimento do rei ocorreu ainda no decurso da gravidez da rainha consorte. Uma vez que o sexo da criança determinaria quem herdaria a coroa, foi necessário um curto interegno de alguns meses, tendo Afonso XIII vindo ao mundo já diretamente como rei de Espanha;
- Afonso XIII, por seu turno, caíria em 1931, abrindo caminho à II República, sendo que o final da guerra civil, apesar de o franquismo recuperar a forma monárquica, não trouxe de volta um monarca ao trono de Espanha senão após a morte de Franco, em 1975.
A ver vamos...
O eixo mais reacionário do Governo espanhol tomou a dianteira e avançou, muito para lá das piores expectativas, com uma revisão do regime juridico aplicável ao aborto. A lei proposta pelo Ministro Gallardón é de tal forma radical, recuando para lá do quadro em vigor desde 1985 (muito para lá da mera revogação da lei aprovada no Governo Zapatero, conforme referido na campanha eleitoral), que setores mais moderados do PP começam a pedir moderação e bom senso. A entrar em vigor, a nova lei determinaria que cerca de 89% dos casos em que a IVG é hoje permitida em Espanha voltariam a ser punidos, empurrando quase uma centena de milhar de mulheres para o estrangeiro ou, como é infelizmente provável no quadro económico atual, para redes clandestinas e inseguras.
Num momento em que a pressão económica é intensa, em que os níveis de confiança nas instituições é o mais baixo de sempre (incluindo os partidos e a própria instituição monárquica) e em que a tensão em torno dos processos soberanistas, em particular na Catalunha, ameaçam colocar em causa os equilíbrios fundadores da democracia espanhola, encetar um processo destes é de uma irresponsabilidade incendiára. Seguramente, a liderança do PP acha que vai galvanizar as bases e reforçar a coesão interna, apelando aos setores mais radicalmente conservadores. Na realidade, reabre um debate há muito encerrado e optar por uma linha a que a maioria da população está longe de aderir, instrumentalizando a saúde sexual e reprodutivas das mulheres espanholas e abdicando de um regime que tem demonstrado dar resposta adequada a uma questão complexa de direitos e saúde pública.
Apesar de ter as maiores dúvidas da capacidade dos setores nacionais que comungam da mesma leitura dos autores da proposta de legislação espanhola de desencadearem uma inicativa similar (as petições que a Assembleia da República tem periodicamente analisado pecam pela fraqueza dos dados apresentados e pela manipulação descredibilizadora dos factos), os acontecimentos em Espanha são reveladores da necessidade de não dar nunca por adquiridas as mais relevantes conquistas civilizacionais, importando sempre continuar a informar e passar a mensagem, prevenindo os recuos e reforçando a consciência coletiva do que está em jogo.
O debate em Espanha é tão nosso como dos nossos vizinhos.
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