por David Areias, em 21.05.13
[ ridicularizar o preconceito e o ódio ]
Valter Hugo Mãe
O Filho de Mil Homens
Alfaguara, 2011
"Teria sido mais fácil se o tivessem castrado. Havia um anedotário infinito para que, sem deixar de ser terrível, o convívio entre as pessoas e o monstro fosse possível. Falavam dele efectivamente como de um ser aberrante com algum mistério e muito terror. Era como acreditar no lobisomem, nos vampiros ou num morto-vivo. Contavam piadas como se do cu de um maricas nascessem feras metidas tripas adentro a fazer ninho. Riam-se como se por ali, como por bocas dentadas, o cu dos maricas triturasse as cadeiras onde se sentava. Diziam que comiam esterco porque o mau gosto o fazia apreciar espeluncas e fossas. O Antonino, no anedotário ridículo da vizinhança, era fetal, putrefacto, morto. Quando se riam à boca cheia, com cervejas na mão e as panças inchadas de botões a rebentar, vingavam-se e era como se prometessem ser impiedosos da próxima vez que o rapaz cometesse um erro. Garantir que o rachavam a meio era quase como apostar entre si quem o faria e tomaria a glória de eliminar tal monstro. Riam-se. Diziam que o Antonino não se podia sentar porque lhe doía o cu. Também faziam a versão cor-de-rosa, na qual os homens maricas, por serem delicados, se adoçavam durante horas e enfeitavam com as penas dos pavões e depois respiravam só o perfume das flores para soltarem gases bem cheirosos. Diziam que lhes nascia veludo nas nádegas e tinham uma tabuleta a dizer pode entrar, como se fossem tão abertos que dentro do cu fizessem um salão de baile."
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