por Pedro Delgado Alves, em 27.02.13
Os Italianos foram às urnas e a Europa regressou aos solavancos à montanha-russa financeira. Entre ilustrar o post com os homens do momento ou um gráfico com as desventuras da moeda única, hesitei entre qual traduziria melhor o espírito dos dias que correm. Duma Itália que entrou em meltdown político cujo desfecho ninguém se atreve a prever, retiremos pelo menos, se não lições, pelo menos algumas reflexões que podem ser úteis cá no burgo.
O grande derrotado da noite, Bersani não consegue ser o messias do Partido Democrático. A reflexão sobre o futuro político deve ser aqui a mais urgente e dura. Combinando duas décadas de evolução, realinhamento, reorganização e reinvenção da esquerda italiana, empurrando-a para o centro, tornando-a menos ideológica para a tornar mais elegível, o resultado foi uma vantagem de 0,4 por cento sobre Berlusconi numas eleições em que o eleitorado estava sedento de quem lhe rejeitasse a austeridade e se constituisse como alternativa séria. E se o Partido Democrático foi capaz de perceber a oportunidade que tinha pela frente quando se abriu ao exterior com as primárias que escolheram Bersani, falhou a chamada, não sendo capaz de interpretar os anseios dos cidadãos e aquilo que o seu próprio posicionamento ideológico lhe exigiram, quando teve de explicar ao que vinha. Tendo em que conta que muitos dos eleitores de Beppe Grillo se consideram de esquerda, mais evidente se torna o desafio e o drama para Bersani.
Do outro lado, por muito que estivesse várias vezes anunciada a sua morte, o populismo camaleónico de Berlusconi - hoje anti-austeritário, amanhã o que for necessário - não só não desaparece como se reinventa, sobrevive às evidentes fragilidades de credibilidade e honorabilidade do seu chefe e continua a mobilizar quase um terço do eleitorado. Sem vergonha e sem ideias que não o regresso ao poder, Il Cavaliere personifica o pior que a Itália neste momento oferece de retrato de um sistema exausto, sem ser sequer necessário puxar pela crítica fácil e moraleira ao bunga-bunga. Antes fosse esse o único mal de Berlusconi...
O único vencedor, Beppe Grillo, conquistando um quarto do eleitorado, deixa antever a principal necessidade de reflexão que de Itália se retira para toda a Europa. Quando os actores políticos se fecham sobre si mesmos e se absorvem no seu mundo impermeável ao sofrimento das pessoas, quando não conseguem afastar a percepção de que se vêem como uma casta e não oferecem soluções dignas, estão a formular um convite à grillização do sistema, ao aproveitamento das incertezas para o populismo anti-sistema, que não tem rosto de esquerda, nem de direita e namora todos os descontentes. É um caminho que pode mesmo, em casos extremos, tornar-se inimigo da subsistência de uma democracia de qualidade. Estaremos tão imunes a uma evolução destas como pensamos?
E, finalmente, o prestígio internacional de Monti, mais do que uma mais-valia representou o carimbo que motivou a sua rejeição pelos eleitores. As desastradas tentativas externas de o vender como o garante da estabilidade, em que uma entrevista do Ministro das Finanças alemão a um periódico italiano foi a eloquente ilustração do desastre comunicativo patente nesta estratégia prestigiadora, contribuiram sim para confirmar que continuaria a ser o rosto da austeridade. Com estes amigos, nem foi preciso puxar pela conexão Goldman Sachs, o sr. Schäuble tratou de tudo com meia dúzia de elogios...
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