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Acórdão a ler com atenção redobrada

por Pedro Delgado Alves, em 26.11.13

 

 

Apesar de aparentar ter sido tirado pela maioria mínima, com diversos votos de vencido, evidenciando uma divisão na leitura da lei das 40 horas na função pública, o acórdão do Tribunal Constitucional há pouco conhecido decidiu de forma bastante consistente não declarar a inconstitucionalidade da alteração da lei. No entanto, e não tendo ainda lido o acórdão com toda a atenção que gostaria e que merece, parece dele resultar que a questão do aumento para as 40 horas não foi a fonte principal da divisão de posições, residindo esta antes na possibilidade de derrogação daquele valor por instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. 

 

A decisão acaba por aceitar a não inconstitucionalidade do novo regime através de uma interpretação confome à Constituição de uma das normas em análise (o artigo 10.º), expressamente admitindo que os instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho posteriores à lei possam alterar (reduzindo) a duração de trabalho, aspeto esse que terá sido determinante para o voto de vários juízes. ("Trata-se de uma solução destinada a garantir a eficácia imediata da alteração do período normal de trabalho dos trabalhadores em funções públicas e que todos estes trabalhadores fiquem colocados numa situação inicial de igualdade, a partir da qual, futuramente, se poderão estabelecer as diferenciações que, em função dos diferentes sectores de atividade e pelos modos previstos nos regimes próprios aplicáveis, sejam consideradas convenientes"). 

 

Indo ao fundo da questão, as 40 horas propriamente ditas, não consigo acompanhar o juízo do Tribunal, sendo com estranheza confessa que leio as passagens seguintes: 

 

"De acordo com esta linha de avaliação, o aumento agora introduzido, na medida em que contraria a normalidade anteriormente estabelecida pela atuação dos poderes públicos nesta matéria, frustra expectativas bem fundamentadas. E trata-se de um aumento relevante, passível de gerar ou acentuar dificuldades de manutenção de práticas vivenciais e de satisfação de necessidades dos cidadãos, nomeadamente, a conjugação lograda entre a vida privada e familiar e a vida laboral, ou o exercício de direitos fundamentais como a cultura, a liberdade de aprender e ensinar ou o livre desenvolvimento da personalidade.

 

Todavia, e em sentido inverso, pode, desde logo argumentar-se que a tutela constitucional da confiança, por sua natureza, não pode ser considerada entrave a qualquer alteração legislativa passível de frustrar expectativas legítimas e fundamentadas dos cidadãos. De facto, só poderá utilizar-se a ideia de proteção da confiança como parâmetro constitucional nas situações em que a sua violação contraria a própria ideia de Estado de Direito, de que aquela constitui um corolário. 


Ora, no presente caso, deve ter-se em consideração que a tendência para a laboralização do regime dos trabalhadores da Administração Pública, fortemente acentuada, a partir de 2008, com a adoção, como regime-regra, do contrato de trabalho em funções públicas (disciplinado por um diploma – o RCTFP – próximo do Contrato de Trabalho), permite afirmar que não seria totalmente imprevisível uma alteração como a ora em causa do período normal de trabalho."


Por outras palavras, envereda-se por um raciocínio que sustenta que, desde 2008, a proteção da confiança em matéria de regime laboral na função pública se vem submetendo a um processo de erosão das expectativas, que admite uma modificação substancial de relações laborais com décadas. Salvo melhor opinião, sendo inegável que a tutela da confiança não é impeditiva da mutabilidade natural da ordem jurídica, como o acórdão corretamente sublinha, a essencialidade dos elementos da relação jurídica laboral afetados por esta alteração legislativa deveria ter uma outra ponderação, não se tratando de uma alteração de somenos.

 

Independentemente da minha ou de outras opiniões sobre a matéria (que continuarão o debate no plano científico e junto dos agentes do sistema jurídico), aquela que conta no plano institucional, a do órgão jurisdicional com competência para se pronunciar em matéria de constitucionalidade, essa está tomada. Por muito que dela discorde, não me passa pela cabeça fazer dos juízes do Tribunal Constitucional as cabeças de uma hidra que vai destruir o País, na linha de quem lhe quer assacar todos os males que nos afligem. 

 

E, repare-se, que esta foi a primeira vez que o Governo teve boas notícias do Palácio Ratton. Sim, foi a primeira vez em dois anos e meio que uma lei objeto de fiscalização abstrata preventiva ou sucessiva, proveniente da pena deste duo Governo/maioria parlamentar,  em dez (10) pedidos, não foi considerada inconstitucional. Haviam de lhe apanhar o jeito... 

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publicado às 00:53

E o ativismo do Presidente? Ninguém diz nada?

por Pedro Delgado Alves, em 23.11.13

 

Tem sido extremamente frequente ouvir falar em ativismo judicial do nosso Tribunal Constitucional nos últimos tempos, entre relatórios da Comissão Europeia, artigos de opinião de Conselheiros de Estado nomeados pelo presidente e declarações sem autor atribuído de responsáveis do Eurogrupo.

 

No entanto, se querem de facto ser assertivos quanto à irresponsabilidade de quem se põe com questões de constitucionalidade, e como devem desconhecer que o Tribunal Constitucional está subordinado a um princípio do pedido, só podendo apreciar as questões de constitucionalidade que lhe forem colocadas pelas entidades com legitimidade para o efeito, é bom que dirijam as suas críticas aqueles que na sua cabeça deviam ser os alvos certos, os responsáveis pelos processos de fiscalização. Entre eles avulta, curiosamente, o Presidente da República, que hoje voltou, de acordo com esta linha de pensamento, a empurrar Portugal para o segundo resgate, ao pedir a fiscalização do diploma da "convergência" das pensões.

 

Veja-se mesmo até que ponto o Presidente é reincidente nesta irresponsabilidade, consultando um exaustivo apanhado de quase todas as decisões de inconstitucionalidade proferidas em relação a atos legislativos do Governo ou aprovados pela maioria parlamentar que suporta o Governo desde 2011 (praticamente todos originados em propostas de lei apresentadas pelo Governo à Assembleia, sendo a única exceção o diploma da criminalização do enriquecimento ilícito).

 

Quatro (4) delas resultam de um pedido de fiscalização preventiva do Presidente da República, a que acresce o pedido de hoje e a que se somam ainda dois (2) pedidos de fiscalização sucessiva. Ou seja, num total de nove processos, o Presidente solicitou a intervenção do Tribunal por 7 vezes tendo o Tribunal confirmado as dúvidas de constitucionalidade em todas aquelas em que já proferiu a decisão

 

Claro está que em relação aos dois Orçamentos do Estado, de 2012 e 2013, os mais importantes documentos financeiros, jurídicos e políticos da legislatura, o Presidente falhou por completo o exercício pleno da sua função de garante da Constituição ao não pedir a fiscalização preventiva, nada fazendo de todo em relação ao primeiro dos orçamentos de Gaspar e apenas pedindo a fiscalização sucessiva em relação ao segundo. Mas na linha de quem escolheu o TC como inimigo do ajustamento, isso não deve ser suficiente para ilibar Cavaco...

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publicado às 19:08

Tiro ao Constitucional

por Pedro Delgado Alves, em 04.04.13

 

Já não há saco para as narrativas (permitam-me o abuso da expressão) sobre a fiscalização da constitucionalidade do Orçamento do Estado.

 

Em primeiro lugar, chega de pressões inaceitáveis do Governo e da maioria, degradando o respeito institucional, a separação de poderes e a inteligência de quem as proferiu. Desde a ameaça em surdina de crise política (entretanto abandonada, aparentemente), à ideia de que o Tribunal também está vinculado ao memorando, ensaiada por uma Deputada da maioria, por sinal jurista, tudo serviu para condicionar os conselheiros do Constitucional.

 

De forma bem mais autorizada do que as minhas linhas indignadas, o Prof. Jorge Miranda fez questão de enfatizar que assim não é, que assim não pode ser. Por muito que algumas pessoas no seio dos partidos da maioria pretendam usar o memorando para inverter os valores da nossa democracia e subverter o nosso quadro constitucional invocando um putativo estado de excepção, o que se tem de passar é exactamente o contrário: o Tribunal Constitucional tem por missão assegurar que o memorando não torpedeia o Estado de Direito e não espezinha o Estado social.

 

Depois, tem sido igualmente frequente e feroz a linha de quase insulto gratuito, como aquele debitado semanalmente por Marques Mendes quanto à falta de celeridade da decisão. Apesar do último dos vários pedidos ter entrado apenas no início de Fevereiro, apesar de o TC estar a reduzir todos os prazos habituais da fiscalização sucessiva e de ser expectável uma decisão ainda esta semana (quando o acórdão relativo ao OE 2012, em relação ao qual era bastante menos ampla a dimensão do pedido, foi apenas conhecida em Julho do ano passado), o Tribunal não escapa à injustiça de ser cunhado de lento e inconsciente da sua responsabilidade.   

 

Por outro lado, temos ainda a argumentação primária de que o Tribunal será responsável por todos os males que advierem ao País caso o OE para 2012 seja declarado inconstitucional. Esta linha de pensamento, patente, por exemplo, aqui (combinada com ataques mesquinhos aos juizes) faz por esquecer o caminho que nos trouxe até aqui.

 

Senão vejamos: O Governo apresenta uma proposta de Orçamento de Estado que é potencialmente inconstitucional, havendo um histórico fresquinho de uma declaração de inconstitucionalidade de medidas similares. Alertas a este respeito não faltaram, de variados quadrantes políticos e juridicos. Pedidos de antecipação do calendário da discussão de forma a permitir uma fiscalização preventiva que dissipasse as dúvidas também foram reiterados. O Governo e a maioria insistem, aprovam o Orçamento apesar de tudo isto. O Presidente da República, qual Rick Moranis de Belém interpretando o papel principal num "Querida, eu encolhi a Presidência" com um guião fraquinho, passa olimpicamente ao lado da possibilidade de fiscalização preventiva que evitaria a incerteza e circunscreve-se a uma fiscalização sucessiva como mal menor.

 

Contudo, o culpado, o irresponsável, o destruidor de mundos, quem tem de ter cuidado com as suas decisões e sentir o peso do abismo que abriria, é o Tribunal Constitucional.  

 

 

Finalmente, a última das diatribes, a que já nos vamos habituando de outras aventuras, é a que insiste no ataque à Constituição, aludindo a um seu carácter bolorento e ultrapassado. Mais uma vez, contudo, os autores desta abordagem fogem à realidade como o Diabo foge da cruz. Não será devido a qualquer enviesamento ideológico ou vontade de transição para o socialismo (que já há muito não integram o texto da Constituição), nem a uma qualquer violação de um plano quinquenal exigido pela nossa Constituição para-soviética que o Orçamento do Estado para 2012 se aproxima da inconstitucionalidade. O que foi alegado, na linha da anterior jurisprudência do Tribunal, é a apreciação da conformidade do OE com ideias tão ultrapassadas, radicais e dirigistas como o princípio da igualdade ou o princípio da protecção da confiança.... 

 

Felizmente, estará perto a decisão. Para além de esperar que contribua para salvaguardar o Estado de Direito, fica também a esperança de que ajude a meter muitas violas nos sacos respectivos e a acabar com a teatralização do Tribunal Constitucional como um alvo a abater. 

 

 

Sobre o assunto, ler também este excelente texto do Domingos Farinho no Jugular

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publicado às 11:30

De novo na mira

por Pedro Delgado Alves, em 17.03.13

Parece que o Tribunal Constitucional vai ser o principal objecto de estima nos próximos dias. Em primeiro lugar, quanto à demora em decidir. O director do I assinou um editorial nessa linha há uns dias, há pouco foi Marques Mendes no comentário na SIC, neste último caso com uma agressividade absurda. Em ambos os casos desvalorizando a complexidade e sensibilidade da decisão (e do próprio alcance que pode ser fixado para a mesma) e esquecendo que o Tribunal já está a acelerar os prazos que normalmente regem a fiscalização abstracta sucessiva. Se a urgência é imperiosa, e estou de acordo que seja, o responsável por este calendário mais lento chama-se Cavaco Silva.

Em segundo lugar, e num plano de maior gravidade, começa a construir-se nova onda de pressão quanto à decisão, traduzida quer no sublinhar por Vítor Gaspar da inexistência de plano B, quer no discurso do caos e da ingovernabilidade em caso de declaração de inconstitucionalidade que hoje ecoava no Expresso pelas palavras de um ministro não identificado.

Aguardemos...

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publicado às 00:02





Filibuster, subs.

1. Utilização de tácticas de obstrução, tais como o uso prolongado da palavra, por membros de uma assembleia legislativa de forma a impedir a adopção de medidas ou a forçar uma decisão, através de meios que não violam tecnicamente os procedimentos devidos;

Filibuster, noun
1. The use of obstructive tactics, such as prolonged speaking, by a member of a legislative assembly to prevent the adoption of measure or to force a decision, in a way that does not technically contravene the required procedures;

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