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40 horas

por neruska, em 30.05.13

Primeiro ponto: Num mundo ideal, em que houvesse racionalidade, inclusivamente na Administração Pública, os médicos deviam ser dos profissionais mais bem remunerados por deterem das profissões mais desafiantes e mais penosas que existem.

 

Segundo ponto: Não estando nesse mundo ideal e em especial no âmbito da Administração Pública portuguesa, e na medida em que a vida funciona quase sempre por relação entre coisas e valores, é necessário inserir os médicos numa escala salarial em que estão presentes várias outras profissões como a de enfermeiro.

 

Terceiro ponto: Nunca encontrei qualquer razão atendível para o facto dos funcionários públicos, agora trabalhadores em funções públicas, trabalhassem menos 5 horas do que os trabalhadores sob o regime privado.

 

Em 2012 foi negociado por este Governo um pacote legislativo que mereceu o acordo dos sindicatos dos médicos, através do qual se aprovou uma nova escala salarial para a transição dos médicos da função pública das 35 horas semanais para as 40 horas. Essa escala só entrará em vigor na função pública em pleno a partir de 2015, podendo ser autorizada a transição de casos excecionais para a nova escala mediante demonstração de interesse público.

 

Dado 1: Em 2011, entrava-se na carreira médica a 35 h para uma posição remuneratória que correspondia a 1853,96 €.

 

Dado 2: Com a nova escala salarial, entra-se na carreira médica a 40 horas para uma posição remuneratória que corresponde a 2746,24 €.

 

Dado 3: Esta alteração, que se fundamentou na alteração de 5 horas a mais no horário de trabalho semanal, representou um aumento de 48% da remuneração base dos médicos.

 

Podia ainda demonstrar a influência que esta subida exponencial do valor hora tem em termos de pagamento do trabalho extraordinário/suplementar e noturno, mas vou parar por aqui porque o que pretendo focar é outra coisa.

Esta alteração foi aprovada pelo mesmo Governo que se prepara para colocar todos os trabalhadores em funções públicas a trabalharem 40 horas por semana, anunciando que a tabela remuneratória vai ser revista, tendencialmente para valores inferiores (porque arranjou um estudo de uma consultora que diz que os funcionários públicos ganham muito mais do que os trabalhadores privados), o que representa naturalmente uma redução do valor hora de todos.

E isto porque “aqui se coloca a questão da igualdade entre todos os trabalhadores portugueses”, conforme consta da comunicação do Primeiro-Ministro a 3 de maio deste ano. Na ânsia da vingançazinha perante os argumentos do Tribunal Constitucional, escolhem um fundamento que o próprio Governo não segue. E, assim, também se explica por que uma parte dos portugueses nunca se insurgirá contra este Governo. As corporações continuam a conseguir benefícios para os seus e que se danem os restantes.

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publicado às 12:05

O horror a uma sociedade não estratificada

por neruska, em 11.03.13

Lamento voltar ao tema, mas desde que, há pouco mais de uma semana, ouvi falar das afirmações de João Salgueiro tenho andado a marinar várias ideias.

Na altura, achei que sob uma aparente noção de utilidade com interesse nacional, a mensagem principal tinha passado tão ostensivamente às claras que suscitaria, por certo, ondas de indignação. Mas por estes dias há tanta, mas tanta coisa, com que nos podemos e devemos indignar que aquelas declarações provocaram apenas as reverberações habituais nas redes sociais e nos media.

Fui ler as declarações porque podia ser mais um daqueles episódios em que a montanha pariu um rato ou se toma a parte pelo todo. E descubro que João Salgueiro disse mesmo coisas como “Nós temos cá engenheiros e professores de matemática a trabalhar na construção civil. Vieram da Ucrânia. E uma grande parte das pessoas aqui vão para outros países trabalhar nas condições que lhe oferecerem.” http://m.tsf.pt/m/newsArticle?contentId=3082999&related=no
O senhor até cita Keynes, para justificar a ocupação que todos os desempregados merecem, tal é o descaramento!

Mas uma das partes destas declarações que mais ecoa em mim é que João Salgueiro não ficaria chocado se visse alguns dos seus alunos universitários a trabalharem na construção civil ou na limpeza de matas. Parece-me que esta ideia condensa a ideologia subjacente de forma cristalina. Alguns dos seus alunos universitários. Quais? Aqueles que nunca deveriam ter lá chegado e que não perceberam o seu lugar na ordem social? Aqueles que tiveram os pais a lutar para os ter a estudar e agora não arranjam emprego por mais currículos que enviem?

Sob o manto da emergência nacional, que é taxativamente comparada com o pós-guerra, vamos colocar as pessoas no lugar delas. Aliás, até é para o bem delas, para elas se sentiram ocupadas.

Mas este episódio é apenas mais um numa trama em que os protagonistas variam entre a beata dos bifes, o banqueiro que sabe o que aguenta um sem-abrigo, governantes que semeiam ideias como o ensino obrigatório pago ou o “voluntariado obrigatório” para os desempregados.

Uma vez ouvi uma fadista descrever uma maneira de estar na vida que ela classificava como intrinsecamente fascista. Contava ela que a mãe, que era criada de uma família abastada de Lisboa, tinha de esconder o rádio que comprara para ela e a filha ouvirem música, porque se os patrões percebessem que ela tinha dinheiro para o comprar baixariam imediatamente o salário, como já o haviam feito, porque afinal ela tinha para esbanjar e isso eles não podiam permitir.

Já nasci durante a democracia e talvez, por esse facto, achei que estaria a salvo de ideias fascistas influenciarem a minha vida.

Estes são realmente tempos de revermos todos os pilares em que assentamos a nossa vida e de decidirmos quais os valores de que não abdicamos, como residual a que confinamos a nossa dignidade.

E eu não admito que esta elite de gente ressabiada com as conquistas da democracia me diga em que lugar me insiro na sociedade e o que posso almejar na Vida.

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publicado às 13:06

...

por neruska, em 05.03.13

Dois artigos importantes

 

Sou leiga em economia, mas acho que consigo perceber o essencial do que estes senhores estão a falar e encontro-lhe uma racionalidade muito imediata. Mesmo estando na esfera de uma ciência muito pouco exata, se calhar seria avisado escutá-los.

http://www.project-syndicate.org/commentary/listening-to-european-voters--rejection-of-austerity-by-joseph-e--stiglitz

http://krugman.blogs.nytimes.com/2013/03/04/cockroaches-at-the-european-commission/?smid=tw-NytimesKrugman&seid=auto

Mas, como dizia um amigo que me chamou à atenção para estes artigos, são leituras que demoram mais do que a disponibilidade mental que é exigido por uma parangona e, por isso, não ecoam na opinião pública.

Eu sei: a lista de coisas a fazer é extensa, estamos todos cansados, é mais fácil ligar a televisão e ver uma série e, principalmente, a sobrevivência do dia-a-dia retira-nos a capacidade e a paciência para ler grandes coisas. Eu sei.

Mas era importante.

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publicado às 13:57

Faria diferença?

por neruska, em 28.02.13

Uma das questões que mais me assusta nesta crise é a descrença relativamente aos políticos e o que isso representa de descrença no sistema democrático.

Bem sei que há todo o tipo de maus exemplos que proliferam nos meios politicos: os vícios, a endogamia, o facto de a motivação da maioria das pessoas disponíveis para exercer cargos políticos não ser o interesse na causa pública, só para nomear alguns.

Contudo, uma pulsão violenta domina-me de cada vez que ouço alguém, normalmente pessoas cuja vida não é minimamente imaculada do ponto de vista do cumprimento dos deveres cívicos, fiscais ou mesmo para com os seus semelhantes, dizer que o povo até é bom, mas os políticos são todos maus. Como se os políticos não viessem dessa massa ou fosse uma questão de azar esta coisa de nos calhar na rifa uns cretinos quando o povo é tão bom.

Apesar de perceber muito bem que as pessoas não se sintam atraídas pela vida pública, não só mas também pelo que isso representa em potência de se ser enxovalhado em praça pública, acredito que cada povo tem políticos à sua imagem.

Cabe ao povo definir o que pretende que os seus políticos sejam. Compete a cada um de nós demonstrar, não apenas em atos eleitorais, o que pretendemos ver defendido pelos nossos políticos. Infelizmente, para a grande massa, sempre foi infinitamente mais fácil obedecer do que lidar com as escolhas e a responsabilidade da liberdade. E, neste momento, uma dormência mental ajuda a que o peso das dinâmicas de sobrevivência de cada um seja entorpecedor de uma cidadania ativa, para a qual nunca fomos realmente educados.

Partilho uma ideia de democracia direta que, não sendo de todo inovadora no mundo, me parece reunir os requisitos no sentido de mudar o estado desta relação desavinda.

Os deputados da República deviam ter gabinetes de atendimento aos cidadãos. Já sabemos que existem mil e uma formas e canais de chegar aos ditos, desde as audiências às petições. Mas claramente não têm funcionado como desbloqueador desta distância que se estabeleceu entre os políticos e o povo. Há sistemas políticos em que constitui uma obrigação para os titulares de alguns cargos políticos a existência de tais locais de atendimento. Para além do que representaria em termos de uma tentativa real de resolver problemas concretos das pessoas, seria uma forma de os deputados sentirem o pulsar dos seus concidadãos.

Faria diferença?

Eu acho que sim.

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publicado às 18:39





Filibuster, subs.

1. Utilização de tácticas de obstrução, tais como o uso prolongado da palavra, por membros de uma assembleia legislativa de forma a impedir a adopção de medidas ou a forçar uma decisão, através de meios que não violam tecnicamente os procedimentos devidos;

Filibuster, noun
1. The use of obstructive tactics, such as prolonged speaking, by a member of a legislative assembly to prevent the adoption of measure or to force a decision, in a way that does not technically contravene the required procedures;

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